Cada vez mais, estudiosos e empresas estão avaliando os benefícios da semana de trabalho de quatro dias, desde 2018, com experiências bem-sucedidas em países como a Austrália, Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e a Suécia.
Em junho de 2022, foi a vez do Reino Unido embarcar em um projeto-piloto com 70 empresas voluntárias. O objetivo é testar a produtividade dos funcionários com apenas 80% da carga de trabalho original, mas sem descontos no salário.
Em entrevista para a BBC, Sam Smith, cofundador da cervejaria Pressure Drop Brewery, em Tottenham, disse que é “um bom momento” para a empresa tentar diferentes práticas de trabalho.
“A pandemia nos fez pensar muito sobre o trabalho e como as pessoas organizam suas vidas. Estamos fazendo isso para melhorar a vida de nossa equipe e fazer parte de uma mudança progressiva no mundo, que vai melhorar a saúde mental e o bem-estar das pessoas”, afirma.
Menos estresse, mais produtividade
O movimento 4 Day Week Global (Semana de Quatro Dias Global, em tradução literal) advoga que uma vez que os trabalhadores estejam mais descansados, a produtividade tende a aumentar e o estresse tende a diminuir. Além disso, a semana mais curta deixa os funcionários mais focados em realizar as tarefas em um menor espaço de tempo, o que encurtaria algumas enrolações do cotidiano, como navegar pelas redes sociais e sites da internet, e longas paradas para o café. O movimento classifica este fenômeno como um “corte de atividades não produtivas”. Há ainda a economia de energia e a melhora na qualidade do ar nas grandes cidades, por conta do menor fluxo de veículos.
Mudança será bem-vinda ao Pará
Júnior Lopes preside a Associação Brasileira de Recursos Humanos no Pará e conta que não conhece, ainda, nenhuma empresa no estado que já adote esse modelo de expediente, mas ele espera que essa realidade se transforme logo. Na opinião de Lopes, a pandemia de covid-19 acelerou a reflexão sobre o assunto, já que mais trabalhadores experimentaram o trabalho remoto e as lideranças foram se adaptando a isto.
“A produtividade está relacionada, mesmo, à quantidade de horas? Estar no escritório significa que a pessoa está, de fato, trabalhando? Uma vez li que os britânicos só produzem durante duas horas e meia durante um dia de trabalho. E na França esse número é menor ainda. Aqui no Brasil, visualizo que a legislação não proíbe que se cumpra em menos horas a jornada, mas há receio. A divisão fica a critério de cada empresa. A equação a ser feita é a da relação entre aumento da produtividade e aumento da felicidade. É importante colocar na ponta do lápis os prós e contras. O desafio é garantir a produtividade, que é uma responsabilidade da liderança, que deve ser treinada para gerir essa nova realidade”, argumenta.
Segundo ele, a tendência da iniciativa é tornar as empresas mais atrativas para novos talentos, além de reduzir a rotatividade de contratados.
Modelo belga aumenta horas
Na Bélgica, a prática foi remodelada e prevê uma semana de trabalho com quatro dias, porém de 38 horas, com mais horas de trabalho de segunda a quinta-feira para compensar a “folga”. O projeto de lei foi aprovado pelo parlamento em fevereiro e a cada seis meses o trabalhador pode mudar o modelo de trabalho, se desejar.
Essa opção, porém, tem críticos. Em 2016, porém, um artigo de Allard Dembe, professor de Saúde Pública na Escola de Saúde Pública da Universidade de Ohio, para o site The Conversation, ponderou sobre as desvantagens de comprimir mais horas de trabalho em menos dias. Ele afirma que os pesquisadores alertam para o perigo de mais cansaço e estresse, especialmente em funcionários mais velhos.
“Se as duas horas adicionais de trabalho diário são acrescentadas em um dia convencional de trabalho que tem início na manhã, por volta das 8hs ou 9hs, e se estende no final da tarde por volta das 16hs ou 17hs, nesse cenário, muitas mães e pais iriam perder a oportunidade de interagir com os filhos no ‘horário nobre’ entre 17hs e 19hs, quando as crianças teriam mais chance de estar em casa e potencialmente disponíveis para socializar com seus irmãos e pais antes de ir dormir”, argumentou ele no texto.
Sindicatos negociam redução
Na Islândia, a experiência já está bem avançada, com cerca de 86% dos trabalhadores já tendo direito a jornadas de quatro dias. Atualmente, sindicatos e associações começaram a negociar a diminuição permanente da jornada de trabalho para 100% das pessoas com carteira assinada no país. Na Escócia e no País de Gales, o governo fez um aporte de 10 de milhões de libras esterlinas para apoiar as empresas que toparam participar dos testes.
Convergência de interesses
O jornalista Carlos Juliano Barros, do podcast Trabalheira, tem um trabalho focado na discussão sobre o mundo do trabalho. Ele aponta que a ideia de trabalhar menos é um sonho antigo, especialmente depois que o trabalho formal, com salário e jornadas definidas por lei, ganhou centralidade na vida, um fenômeno recente, que ganha envergadura após a Revolução Industrial. Desde então, os movimentos operários e ligados aos trabalhadores batalham por menos horas de trabalho em melhores condições.
“É muito curioso pensar como há uma certa convergência de interesses e crenças, tanto do pensamento marxista quanto no pensamento do Vale do Silício, separados por alguns séculos e diferenças. Existe a crença de que a tecnologia pode libertar o ser humano do trabalho pesado, desde Marx. E esse tecnofetichismo advoga a mesma ideia. Mas não é o que vem acontecendo. Ainda que existam essas discussões de redução de jornada, nos países da periferia do sistema o que vem ocorrendo é uma intensificação do trabalho”, diz.
Brasil tem baixa produtividade
Como parte da periferia do sistema, como Barros classifica, há ainda um outro entrave para o Brasil: a baixa produtividade. O trabalhador brasileiro leva uma hora para fazer o mesmo produto ou serviço que um norte-americano consegue realizar em 15 minutos e um alemão ou coreano em 20 minutos, segundo o Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio de São Paulo. De 1995 a 2021, por exemplo, a agropecuária foi o único setor brasileiro com aumento de produtividade do trabalhador. E isso pouco tem a ver com a capacidade da mão de obra, e sim com a falta de estrutura e gestão que possam potencializar as habilidades do trabalhador.
“Existe alguns países onde a discussão está bem avançada justamente por conta da alta produtividade. No Japão, o próprio governo vem discutindo como tornar isso uma política pública, preocupados com a taxa de natalidade em queda em um país onde existe um culto ao trabalho muito grande”, destaca Barros. Para ele, porém, o tema também perde força no Brasil por conta de o país representar uma grande parcela da manutenção global do capitalismo. “Aqui no Brasil é evidente que se trabalha demais, com uma jornada legal muito acima de países europeus. Mas, sendo realista, acho que para Suécia e Japão essa discussão é mais verossímil, pois ela não afetaria tanto a massa global da economia”, diz.
Desigualdade põe em xeque o modelo
Barros acredita que o crescimento do debate é resultado de um mal-estar generalizado em relação às desigualdades, em um mundo onde enquanto alguns poucos fazem turismo espacial, outros trabalham como loucos, sem seguranças ou garantias. “Nos Estados Unidos, temos visto o movimento da Grande Renúncia. Muita gente que decidiu abandonar o trabalho nesse pós-pandemia, com índices recordes de demissão por não quererem voltar aos escritórios. Gostaram do home office e de ter mais tempo para ficar com a família. É um sinal. A tecnologia prometeu muitas coisas e agora a sociedade está cobrando”, afirma.
Ele evoca o conceito de polarização do mercado de trabalho, para lembrar que mesmo que as ideias de uma vida com menos horas no escritório se concretizassem, elas não iriam beneficiar a sociedade de maneira igualitária. Barros lembra que apenas uma minoria das pessoas possui trabalhos criativos, interessantes, às vezes até sem carteira assinada, mas com inúmeros benefícios, uma estratégia alavancada pelas big techs. “Mas existe uma maioria que se vira nos 30. Os aplicativos de transporte resumem bem isso. Tem a galera da tecnologia, do marketing, que cuida do app e deve trabalhar menos. E tem os motoristas, que estão cada vez mais ferrados e vítimas da precarização. E trabalhando mais”, afirma.
Fonte: O Liberal