A Justiça Federal em Altamira, na região do médio Xingu, no Pará, anulou a Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai), condenando a autarquia manter ou incluir nos cadastros fundiários do país todas as terras indígenas homologadas, reservas indígenas e também as terras ainda em processo de demarcação. Com isso, particulares ficam impedidos de registrar propriedades rurais sobre essas terras.
A sentença confirmou liminar anterior e atendeu pedidos do Ministério Público Federal (MPF). Todas as terras formalmente reivindicadas por grupos indígenas, em estudo de identificação e delimitação, delimitadas (com limites aprovados), declaradas (com limites estabelecidos) e terras indígenas com portarias de restrição de uso para localização de povos isolados voltam a ser protegidas. A IN 09 tinha retirado a proteção de todos os territórios ainda não homologados, o que a Justiça considerou ilegal.
Além da Funai, a sentença também condena o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a respeitar os limites das terras indígenas ainda em demarcação ao analisar pedidos de cadastro de imóveis rurais no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), não aceitando propriedades sobrepostas aos territórios indígenas em processo de demarcação. Funai e Incra ficam proibidos de emitir a Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL) para fazendas nessa situação.
“É pertinente observar que por mais que as rés apontem que a emissão da DRL não tenha o condão de atestar o direito de propriedade sobre a área em favor do particular, a obtenção de tal Declaração acaba por criar, na ótica do particular/ocupante, aparência de legitimidade da sua ocupação – fenômeno que no plano fático se revela problemático, pois, na eventualidade de certa área vir a ser declarada como terra indígena, referida aparência, conjugada com a frustração de expectativas que sofreriam os particulares (decorrente da impossibilidade de reconhecimento de domínio sobre terras indígenas, em razão do que dispõe o parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição Federal de 1988), pode funcionar como elemento catalisador de tensões fundiárias e pressão sobre as terras e meio de vida dos indígenas”, diz a sentença.
Entenda o caso – Ao todo, procuradores da República ajuizaram 28 ações judiciais na primeira instância da Justiça Federal, pedindo a suspensão da IN 09/2020, com 20 decisões judiciais favoráveis. Atualmente, a norma da Funai está suspensa por ordens judiciais em oito estados da federação: Pará, Mato Grosso, Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Bahia e Rio Grande do Sul, o que garante a proteção de mais da metade das terras indígenas brasileiras.
Em recursos à segunda instância, o governo federal até agora conseguiu reverter três liminares em Mato Grosso do Sul e suspender duas, em Santa Catarina e no Ceará. Duas liminares foram negadas, nas subseções judiciárias de Dourados (MS) e Foz do Iguaçu (PR) e o MPF aguarda decisão sobre recursos nesses dois casos. Das 28 ações civis públicas ajuizadas sobre o tema em todo o país, seis ainda estão pendentes de apreciação, em Belém (PA), São Luís (MA), Carazinho (RS), Vilhena e Ji-Paraná (RO) e São Paulo (SP). Cinco das liminares deferidas já foram confirmadas por sentenças, em Santarém (PA), Tucuruí (PA), Castanhal (PA), Rio Branco (AC) e Boa Vista (RR).
Em uma das ações judiciais iniciadas pelo MPF, em Belo Horizonte (MG), houve declínio de competência.
O MPF sustenta nas ações judiciais que a IN 09/2020 contraria o caráter originário do direito dos indígenas às suas terras e a natureza declaratória do ato de demarcação; cria indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas, em flagrante ofensa à Constituição; representa indevido retrocesso na proteção socioambiental; incentiva a grilagem de terras e os conflitos fundiários; entre outros problemas. As decisões judiciais obtidas determinam a manutenção das áreas indígenas ainda não homologadas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema do Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
Fonte: Ascom/MPF-PA