Nesta sexta-feira (6), o governador do Pará em exercício, Lúcio Vale, assinou um ofício, que será enviado ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, solicitando a prorrogação da atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) no Pará por mais 12 meses. Os agentes da FTIP já atuam no Estado desde julho deste ano. A FTIP está em 13 presídios do Pará desde julho, após o massacre ocorrido na prisão de Altamira, no sudeste do Pará, que culminou em 62 mortes. A atuação da Força-Tarefa é alvo investigação por diversas denúncias de prática de maus-tratos e tortura a presos.
A assinatura do ofício ocorreu no Palácio do Governo, durante a reunião ordinária do mês de dezembro do Conselho Nacional dos Secretários de Estados da Justiça, da Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (CONSEJ), sediada em Belém. O conselho atua no apoio à formulação da política criminal e penitenciária do Brasil, de acordo com a Lei de Execução Penal, e na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento para o sistema penitenciário – através da avaliação periódica do sistema criminal de todos os Estados.
Denúncias
O Ministério Público Federal (MPF) denuncia casos de agressões generalizadas, alimentação imprópria, falta de medicamentos essenciais e proibição da entrada de advogados.
Há ainda relatos de estupros, beijo forçado, e agressões a mulheres. O MPF também recebeu fotos e vídeos que mostram presos feridos, além de superlotação e condições sanitárias precárias.
Colhidos pelo MPF com presos, familiares e agentes penitenciários estaduais, os relatos de tortura e maus-tratos nas unidades sob intervenção federal, entretanto, são numerosos e bastante contundentes.
No documento do MPF, um preso conta que, após agentes federais entrarem no local, os detentos ficaram nus das 7h30 até as 16h45. “Nesse período, passamos por tortura, pois estávamos no sol quente, espirravam spray na gente, quebraram muitos cabos de vassoura nas nossas costas”, disse.
O mesmo preso contou que viu agentes federais e também estaduais “pegando o cabo de uma doze (arma de calibre 12) e introduzindo na bunda de um rapaz”. Ele completa: “Foram dois agentes, ele (o preso) estava em posição de procedimento, ou seja, com as mãos na cabeça. (Os agentes) tentaram primeiro introduzir no ânus dele um cabo de enxada, mas não conseguiram, aí conseguiram com o cabo da 12; inclusive, eu vi esse rapaz saindo de ambulância e os médicos atendendo ele.”
Segundo os testemunhos colhidos pelos procuradores da República, agressões físicas ficaram frequentes dentro das cadeias após a intervenção. “(O agente) pegou uma tábua com prego, levantou a cabeça do prego, e bateu com o prego no meu pé. Ele inseriu o prego no meu pé direito; me jogaram pra dentro do bloco com o pé ferido; no dia seguinte, em vez de eu ter atendimento médico, me torturaram, me deram muita porrada e spray (de pimenta), e jogaram de volta pra dentro do bloco novamente, sem atendimento.”
Além dos presos e parentes, o MPF também ouviu membros da OAB que conseguiram entrar nas casas de detenção. Em um áudio, uma advogada comparou a situação de uma das unidades sob intervenção a um campo de concentração nazista.
“Eu já chorei — e eu sou advogada — mas eu já chorei nessa cela aqui que eu estava, não sei nem o que dizer pra vocês. Tem gente baleada, eles são agredidos todo dia, eles estão há 30 dias com uma roupa só, descalços e carecas, aqui parece campo nazista, sabe? Todo mundo quer ser transferido das cadeias porque não tão aguentando o regime que está tendo aqui.”
Um novo relatório emitido em novembro concluiu que a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) no Pará atuou de forma ilegal. De acordo com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), comitê ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, do governo federal, houve prática de maus-tratos e tortura a presos.
O documento foi elaborado após visita às casas penais do estado, com inspeções realizadas em setembro. A visita dos peritos federais do MNPCT ocorreu de 16 a 21 de setembro no Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT), onde 58 presos foram mortos durante rebelião em julho deste ano; Central de Triagem de Altamira; Cadeia Pública de Jovens e Adultos (CPJA), em Belém; Centro de Recuperação Prisional do Pará 3 (CRPP III), em Santa Izabel; e Centro de Reeducação Feminino (CRF), em Ananindeua.
Segundo o relatório, há um “quadro caótico de superlotação, agravado a partir da atuação da FTIP”, que fechou presídios, transferiu e amontoou detentos em outras unidades, sem planejamento adequado. A comissão também afirma que houve situações de desrespeito à condição humana dos presos.
O Ministério Público Federal (MPF) investiga denúncias de que houve tortura contra detentos no Complexo Penitenciário de Santa Isabel. O comandante da intervenção federal chegou a ser afastado por não ter tomado providências para evitar os maus-tratos e abuso de poder, mas foi reintegrado pela Justiça.
“O Departamento Penitenciário Nacional (Depen/MJSP) não reconhece as alegações de tortura generalizada durante o emprego da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) em 13 unidades prisionais do Pará. O Depen defende a humanização da pena e repudia quaisquer atos de maus tratos”, diz trecho da nota divulgada pelo Ministério da Justiça.
O governo do Pará, comandado por Helder Barbalho (MDB), afirmou “repudiar” as “infundadas narrativas” sobre torturas. Em nota, o governo afirmou que “de todas as indicações para realização de exames de corpo de delito, nenhum resultado enveredou para a constatação de lesões provocadas por maus tratos ou atos de tortura.”
Por G1 PA — Belém