A hidrelétrica de Belo Monte, maior usina brasileira, em operação no rio Xingu, no Pará, corre o risco de se inviabilizar financeiramente, por causa de atrasos em obras de transmissão de energia, o que tem impedido que sua geração seja plenamente entregue. É isso ao menos o que afirma a concessionária Norte Energia, empresa responsável pela hidrelétrica.
Em uma carta enviada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na última quarta-feira, 2, a dona de Belo Monte afirma que, devido ao atraso de linhas de transmissão que deveriam estar prontas desde 2017, tem sido prejudicada por não ter meios físicos de entregar a produção de suas turbinas. Nos cálculos da empresa, a “frustração de receita” causada por essas limitações acontece desde 2018 e chega agora a um total de R$ 168 milhões.
“O iminente perigo de dano de difícil ou incerta reparação é evidente”, afirma a Norte Energia, que reclama por buscar uma solução para o problema há dois anos, sem uma decisão da agência reguladora sobre o assunto. “Prejuízos severos que vêm se acumulando desde 2018 serão agravados indefinidamente, podendo até mesmo inviabilizar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão da usina hidrelétrica Belo Monte”, afirma a empresa, no documento.
As linhas de transmissão pertenciam às empresas espanholas Abengoa e Isolux, que faliram e deixaram um rastro de atrasos e processos judiciais no setor elétrico brasileiro. A Aneel já relicitou as obras atrasadas, que agora serão construídas pela empresa Engie. Ocorre que o prazo para conclusão das linhas, na melhor das hipóteses, só ficarão prontas em março de 2023, o que pode ampliar a frustração de receita. Segundo a empresa, há um risco real de comprometer a operação.
“Manter sem solução os efeitos desse imenso problema apresentado pela NESA (Norte Energia) há mais de dois anos e que se acumulam exponencialmente desde então, sem qualquer endereçamento para o descumprimento das condições originais da outorga, tem o condão de impor ao gerador (a usina de Belo Monte) ônus inimagináveis e insuportáveis, ameaçando a própria continuidade das atividades de empreendimento estruturante para o sistema elétrico nacional”, declara a concessionária.
Hoje a maior parte da energia gerada pela usina é escoada por duas linhas de grande porte que saem do Pará e seguem em rotas de mais de 2 mil quilômetros de extensão até a fronteira com São Paulo e Rio de Janeiro. Outras linhas acessórias, porém, que também entregariam energia para demais regiões do País, ficaram na gaveta. A Aneel não comenta pelo fato de o caso ainda ter que passar pela diretoria colegiada da agência.
A Norte Energia reclama ainda de determinações que recebe do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão que diariamente fiscaliza e define como será o abastecimento nacional. Na avaliação da empresa, o operador tem, muitas vezes, priorizado a entrega de energia de outras fontes, como as eólicas e solares instaladas na região Nordeste do País, prejudicando suas operações.
Questionada pela reportagem sobre o teor das informações enviadas à agência, a Norte Energia informou, por meio de nota, que “o documento em questão contempla assuntos tratados na rotina das comunicações com o órgão regulador de energia elétrica, no âmbito da sua concessão, tendo em vista a manutenção do equilíbrio do contrato – instrumento previsto em qualquer contrato de prestação de serviço público”.
A empresa declarou também que “o valor informado de R$ 168 milhões se refere à frustração de receita em função de uma limitação na transmissão de energia”.
Desligada
Belo Monte é uma usina que, na prática, só funciona entre seis e sete meses do ano, meses de cheia do Xingu. Na outra metade do ano, devido às secas, acaba ficando praticamente toda desligada, porque não há volume de água suficiente para viabilizar o acionamento de suas turbinas de mais de 600 megawatts de potência, cada uma. Essa condição drástica de operação foi criticada durante anos, levando muitos especialistas a dizerem que o projeto não era viável, da forma como foi feito.
Em operação plena desde novembro do ano passado, Belo Monte custou mais de R$ 40 bilhões em investimentos, o que fez do projeto uma das obras mais caras da história. Depois de concluir o empreendimento hidrelétrico, a própria Norte Energia pediu autorização à Aneel para mudar seu estatuto social, de modo que a concessionária possa investir na construção de uma usina térmica dentro de sua estrutura, como forma de compensar os meses de pouca geração, mais concentrados entre abril e novembro.
Hidrograma
Para gerar mais energia, a usina acaba armazenando mais água em seu reservatório artificial de quase 500 quilômetros quadrados, em Altamira. Em decorrência, disso, um trecho de 130 quilômetros do rio Xingu está morrendo, por causa da retenção extrema de água. Conforme mostrou reportagem do Estadão publicada na semana passada, o Ibama vai determinar um novo hidrograma, para manter as condições mínimas de vida para pessoas, fauna e flora que vivem no trecho e dependem do rio.
Fonte: Estadão