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Falta de acesso a evidências e seleção on line de jurados prejudica defesa de Lucas Porto

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São Luís (MA): Está marcado para o próximo dia 24 de maio, em São Luís, capital do Maranhão, o Júri Popular do empresário Lucas Porto.

Empresário Lucas Porto

O corpo de advogados que trabalham na defesa de Lucas, acusado da morte de Mariana Costa, em 2016, vem enfrentando uma série de dificuldades ao longo do processo. Uma das mais graves é a falta de acesso às evidências que a acusação e o Estado estão produzindo contra Lucas.

O portal A Voz do Xingu entrevistou o advogado criminalista Lucas Sá, para compreender melhor o caso que tem despertado a atenção da mídia brasileira, já que Lucas Porto nunca teria confessado o crime, mas está em prisão cautelar há mais de quatro anos sem julgamento e mais: o judiciário do Maranhão resolveu selecionar os membros do júri, de forma on line.  Advogado Criminal e Professor, Lucas Sá é Doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Mestre em Processo Penal pela Universidade da Amazônia e membro da Academia Paraense de Júri (APJ).  Confira a entrevista:

Advogado criminalista Lucas Sá

A Voz do Xingu: O Senhor é um dos mais renomados criminalistas do Brasil. Qual sua opinião sobre o caso do empresário Lucas Porto? 

Lucas Sá: Primeiro é necessário observar que as denúncias feitas pela defesa de Lucas Porto são muito sérias. Elas indicam que os advogados não estão tendo acesso a todas as evidências, a tudo aquilo que a acusação, que o Estado está produzindo contra o Lucas. Estão faltando perícias serem realizadas, estão faltando documentos. Eles precisam ter acesso a isso para poder defender esse ser humano que está sendo acusado criminalmente em um processo tão rumoroso, um processo que está chamando a atenção de todo o estado do Maranhão. A defesa, em uma democracia, precisa ter acesso a tudo aquilo que está sendo produzido para poder discutir essas provas com seriedade e profundidade, para que os jurados, no final das contas, possam verificar a opinião do Ministério Público, analisar a opinião da defesa e tomar uma decisão justa sobre aquilo que lhes foi demonstrado. Não está havendo, neste caso, igualdade de armas. Não está havendo uma proteção ao direito de Defesa do acusado para que ele possa se defender no Tribunal do Júri como garante a Constituição, que é de forma plena. O que está havendo é um grave cerceamento ao Direito de defesa e isso está prejudicando que o Lucas possa se defender com dignidade.

A Voz do Xingu: Está correta essa demora na prisão cautelar, que já ultrapassa quatro anos?

Lucas Sá:   essa demora para a produção da prova, para realização das perícias, não pode ser apontada como culpa do Lucas e dos seus advogados. Ao contrário, quem está demorando para produzir a prova é o próprio Estado. E quando o Estado demora para produzir a prova, o que que temos? Nós temos o excesso de prazo para a prisão! Excesso de prazo este que no caso do Lucas já perdura por bastante tempo. São quatro anos de uma ordem de prisão preventiva contra ele sem que tenha sequer sido julgado pelo Tribunal do Júri.  Para uma breve comparação, nesta última semana nós conseguimos a liberdade de uma pessoa que está sendo acusada no processo da chacina do Cujubim, lá em Rondônia. Esse rapaz está preso há 5 anos e já foi julgado pelo Tribunal do Júri dentro desse tempo, mas o Júri foi anulado e até agora não foi marcado um novo julgamento. Observe, então, que dentro desses 5 anos de prisão ele já foi julgado, o caso foi anulado, já ocorreram tantas coisas, mas no caso do Lucas Porto não. Lucas, em 4 anos de prisão sequer foi julgado.

A Voz do Xingu: O que está ocorrendo no Maranhão tem precedentes no judiciário brasileiro? O que diz a legislação sobre esse tipo de caso?

Lucas Sá:  O posicionamento dos tribunais, principalmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de reconhecer que há excesso de prazo, há uma demora excessiva em um caso como esse, quando a defesa não está prejudicando o andamento do processo, mas ao contrário, está querendo o julgamento, está querendo defender o Lucas no plenário do Júri, mas não consegue, pois várias situações ocorrem. É a demora desarrazoada para a realização da perícia, são os sucessivos erros na hora da escolha dos jurados. Então, tudo isso é atribuível a quem? Ao Lucas que está preso? À defesa que está pedindo para Lucas Porto ser julgado? Não, isso é atribuível ao Estado e quando a culpa é do Estado o réu não pode sofrer.

A Voz do Xingu: sobre as falhas sequenciais da escolha dos jurados e sobre esta nova determinação de que a escolha dos jurados será feita de forma on line, na sua opinião, haveria prejuízos?

É importante termos em mente o momento histórico que estamos vivendo. Estamos em meio à pandemia do novo coronavírus e ela fez com que desde o ano passado a evolução tecnológica na aplicação do Direito se torne presente no cotidiano da advocacia, do Judiciário, do Ministério Público. Audiências têm sido realizadas por vídeo conferência, defesas de habeas corpus e de recursos tem sido feitas por vídeo conferência, tudo através da modalidade virtual. Então, não vejo como uma ilegalidade a realização da escolha dos jurados de forma virtual, até porque para que qualquer nulidade ou ilegalidade seja reconhecida, segundo o entendimento tranquilo dos tribunais, faz-se necessário que a defesa ou quem alega a violação de direitos demonstre o prejuízo que está sofrendo.  Mas no caso de Lucas Porto é diferente, porque neste processo todas as vezes que a escolha de jurados foi realizada de forma presencial houve problema. Seja porque todos os jurados faziam parte de um determinado Instituto, seja porque o nome dos jurados estava em duplicidade dentro da urna, o que prejudicava a defesa, vez que aumentava injustamente as chances de ser escolhido alguém que era em tese favorável à acusação. Por isso, nesse contexto, e por tudo o que envolve o caso, uma séria necessidade de fiscalizar todos os atos do processo para que se tenha lisura do julgamento. E essa fiscalização através do meio virtual fica mais difícil. Apenas por conta disto é que entendo não ser prudente realizar a escolha dos jurados de forma virtual. Mas, se for definida a escolha de jurados, nessa maneira, deverão ser possibilitados meios eficientes e adequados para que a defesa e a acusação possam fiscalizar de perto a realização do ato, pois ficar do outro lado de um computador vendo ser escolhido quem julgará o destino de um ser humano não é suficiente para, neste caso, garantir para a sociedade que o direito de defesa de Lucas Porto foi observado com seriedade.

A Voz do Xingu: Diante das inseguranças já vivenciadas pela defesa no decorrer do processo, há algo que possa ser feito, diferente do que está posto?

Lucas Sá: Vou lhe dar um exemplo. Em vários estados têm sido realizadas a sessão do Tribunal do Júri, mesmo durante a pandemia, com todas as preservações possíveis, como o faceshield, a máscara, o álcool gel, garantindo o distanciamento social. Em alguns estados está sendo realizada audiência presencial, sempre com proteção de vidro e plástico para garantir o distanciamento mínimo. Então, não vejo como a escolha virtual dos jurados possa ser uma obrigatoriedade para o caso. É possível sim que seja realizada de forma presencial, mas desde que obedecidos os requisitos mínimos de distanciamento social.   

A Voz do Xingu: Entre os trabalhos que você tem publicado e temas que tem defendido fala muito sobre “o papel do jurado no júri popular e sobre “a mídia no processo penal e o direito de defesa”. Também comenta sobre o júri e a mídia. Que percepção o caso Lucas Porto lhe trouxe, quanto a esses dois aspectos, já que a mídia do Maranhão já acusou, julgou e  sentenciou Lucas Porto e isso pode influenciar na decisão dos jurados.  

Lucas Sá:  O Lucas tem sido bombardeado de todos os lados pela acusação há 4 anos. É importante que a defesa dele também tenha a palavra considerada pela sociedade. Não há como julgar um caso sem ouvir os dois lados. A vida nos ensina isso. Agora é importante termos consciência que o julgamento do Lucas já começou. O plenário está marcado para maio, mas o julgamento já começou, já está na boca do povo. A sociedade já está julgando e já está querendo saber o que está acontecendo nos autos. E, é essa sociedade, uma parte dessa sociedade, composta pelos jurados, que irão efetivamente ter acesso a tudo o que há no processo para definir se tudo isso que falam ou deixam de falar sobre Lucas é verdade ou é mentira. Nunca é demais ponderar que os jurados, cada um que será escolhido para julgar o caso, têm uma vida, têm uma história, têm uma carreira profissional, têm uma família. Eles sabem o que é injustiça quando está diante dos seus olhos. Todos nós sabemos. Injustiça é um sentimento que é capaz de ser visualizado. Que já presenciou, sabe. Então, será muito importante falar sobre como as provas foram produzidas, porque não estão querendo deixar que o Lucas se defenda. Ele não é culpado? A acusação brada isso. Então, porque não deixam que ele se defenda? Há medo de que? Isso é algo muito sério, porque pelo que se percebe, de tudo que vem sendo denunciado pelos advogados do Lucas, é que não estão permitindo que o Lucas possa ter uma voz e tudo isso por muito tempo. 4 anos de prisão cautelar é muito tempo. O próprio nome já diz, cautelar. Se é cautelar é que serve para proteger algo e para proteger algo tem que ser por tempo definido. Os jurados querem saber sobre isso. Quando o caso é de tamanha repercussão, o povo quer saber de tudo o que está acontecendo. Querem ver a justiça sendo feita.

A Voz do Xingu: O andamento do processo poderia ser diferente?

Lucas Sá: Há a possibilidade do Lucas responder em liberdade, de proteger o andamento do processo com aplicação de várias medidas menos invasivas do que manter esse ser humano na cadeia por tempo indefinido. Por exemplo, se há algum problema de produção de prova, determine que Lucas não se aproxime de ninguém, que não possa ter acesso a ninguém, afaste-o do convívio de qualquer pessoa que prestará depoimento, proteja o andamento do processo. É possível garantir que o processo ande corretamente, é possível colocar o Lucas, por exemplo pra morar em outra cidade, determinar que ele não compareça ao Maranhão até que seja determinada a data do seu julgamento, que coloque nele uma tornozeleira eletrônica para que seja monitorado 24 horas por dia. Tudo isso porque é mais digno que ele ficar encarcerado. Há possibilidade no Direito de garantir que Lucas se defenda em liberdade. Não é justo 4 anos de prisão por culpa que não é dele, por demora que não é dele, mas do Estado e a demora do Estado não pode fazer com que um réu fique preso por tempo indeterminado. Por razão de haver várias medidas diferentes da prisão e que da mesma forma protegem o andamento do processo e possibilitam que o Lucas tenha dignidade para se defender, elas devem ser aplicadas. É o que diz o STJ, o STF, quando afirmam que sendo cabíveis medidas diferentes da prisão que possibilitem o andamento correto do processo elas devem ser aplicadas de forma cumulativa. Uma liberdade assim, fiscalizada, mostra que o caso investigado é grave, não representa nenhuma benesse para Lucas, e garante que ele possa se defender com dignidade.

Portal A Voz do Xingu

 

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