No Pará 1.646 pessoas estão na lista de espera por transplantes de córnea (1.207) e de rim (439). De janeiro a julho deste ano, foram realizados 108 transplantes de córnea, 16 transplantes de rim e três de medula óssea no estado, os três procedimentos que atualmente são feitos via Sistema Único de Saúde (SUS) e rede privada. A Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) vem reforçando a necessidade de que as famílias discutam a doação de órgãos após a morte de um ente querido. Para garantir a saúde e a vida de outras pessoas, o “sim” pode ser crucial, mas precisa ser dito, ainda que a decisão precise ser tomada num momento de dor.
Algumas etapas são necessárias para a doação de órgãos. O processo só pode ser autorizado pela família da pessoa falecida. Pode ser o cônjuge, pai, mãe, irmãos, filhos e avós. A retirada dos órgãos somente poderá ser realizada por equipes médicas especializadas e autorizadas pelo Ministério da Saúde. Após a retirada dos órgãos, é garantido pela Lei Federal 9.434/1977 e pelo Decreto 9.175/2017 que o corpo do doador seja condignamente recomposto para ser entregue aos familiares
O Brasil, informa o Ministério da Saúde, é referência internacional em transplantes, com o maior sistema público do mundo. Em números absolutos, o país é o segundo maior transplantador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. A rede pública de saúde fornece aos pacientes assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante.
“São cinco hospitais autorizados para transplantar rim; 13 instituições de saúde que realizam transplante de córnea e, recentemente, foi autorizado o transplante hepático no estado do Pará”, informa Ierecê Miranda, coordenadora da Central de Transplantes (CET) da Sespa.
No Pará, 439 pessoas esperam por um transplante de rim (Agência Pará / Arquivo)
Setembro Verde: conscientização sobre a doação de órgãos
Para conscientizar a importância dos transplantes de órgãos e tecidos, o Setembro Verde é uma campanha de mobilização alusiva ao Dia Nacional da Doação de Órgãos (27 de setembro). Em prol da causa, instituições em todo o país, familiares e pessoas transplantadas contam as experiências de quem vive, de alguma forma, um dos lados da atitude que dá continuidade à vida.
Ana Gláucia Cardoso Ribeiro perdeu o irmão, vítima de um acidente de motocicleta, em 2013. Ele deu entrada no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), em Ananindeua, com traumatismo craniano. Com a morte encefálica confirmada, a família autorizou a doação dos órgãos.
“Eu não sabia que ele já tinha comentado com a nossa mãe que era um doador de órgãos. Os médicos nos chamaram para conversar sobre a situação dele, que já era irreversível, e que havia a possibilidade de doação. Senti muita dor no coração, ali estava com a certeza de que meu irmão estava morto, era um momento de perda muito difícil”, lembra Ana Gláucia.
Ela não hesitou, mas a decisão não cabia somente a Ana. “Liguei para a minha mãe que estava em Castanhal e contei sobre o quadro e da captação de órgãos. A resposta dela foi: ‘minha filha, seu irmão sempre me disse que era um doador e pode autorizar’. E, depois assinamos os documentos. É um ato de amor, empatia, sabemos que a fila de transplante é imensa. São pessoas que esperam um órgão para sobreviver e dar continuidade à vida. Mesmo no momento de perda, nós aceitamos. Isso não ameniza a dor, ela é constante, mas saber que alguns órgãos estão em outras pessoas, conforta um pouco”, desabafa.
Ana destaca a relevância de se avisar os familiares, pois não são todos os casos que se enquadram nos critérios de captação em caso de morte. “É importante a família estar ciente da vontade de ser um doador de órgãos para que a equipe médica possa agir o quanto antes, pois (o processo) tem que ser o mais rápido possível”, alerta.
Morte cerebral, após constatada, abre janela para decisão sobre a doação de órgãos
De acordo com os preceitos da Central, a retirada de órgãos e tecidos para fins de transplante somente poderá ocorrer após a morte. No caso específico da doação de órgãos, trata-se de morte encefálica que será constatada seguindo os critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina. Esta certificação exige a participação de pelo menos dois médicos capacitados para diagnosticar a morte cerebral.
“Uma vez confirmada a morte, a família do falecido deve ser informada e a partir deste momento o profissional de saúde do hospital tem o dever de prestar informações sobre a doação de órgãos a família, para que ela decida. A família autorizando a doação, é efetuada a retirada de órgãos, o corpo será condignamente recomposto, de modo a preservar a aparência dele, garantindo que o mesmo fique sem deformidades”, detalha Ierecê Miranda.
Durante o processo, a equipe de saúde realiza um questionário com os familiares para detalhar o histórico clínico do possível doador. Doenças crônicas como diabetes, infecções ou mesmo uso de drogas injetáveis podem acabar comprometendo o órgão que seria doado, inviabilizando o transplante.
A Central de Transplantes acompanha hospitais e coordena todo o processo de doação, captação e transplantes de órgãos no Estado. Ierecê Miranda observa que são processos complexos e dinâmicos, com múltiplas etapas envolvendo equipes multiprofissionais. Atualmente, a Central conta com uma equipe de 18 profissionais, entre médicos, biomédicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, agentes administrativos e motoristas, que garantem o funcionamento da Central nas 24 horas.
Após receber a doação de uma córnea para o olho direito, a servidora pública Karoline Lima agora reforça a importância da doação e discussão em família sobre a autorização (Ivan Duarte / O Liberal)
Servidora pública recebeu córnea e defende a doação de órgãos
Karoline Lima, de 25 anos, também vive a experiência renovadora de um transplante. Ela é grata por ter tido um novo começo ao receber a doação de córnea, em 2018, no Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, no bairro do Guamá. Ela passou por transplante de córnea do olho direito e desde então a jovem é engajada na defesa da doação de órgãos. “Comecei a fazer ações voltadas para contar a minha história e incentivar as pessoas do quão é necessário se falar sobre a doação de órgãos e tecidos”.
“Divulgo nas minhas redes sociais e listas de transmissão, especialmente em junho que é o mês de combate ao ceratocone, a doença que eu tenho, e em setembro que é o mês de doação. O importante tem que ser dito em vida”, afirma Karoline Lima.
Ela observa que o receio com a integridade do ente é um dos impeditivos dos familiares ao aceite, mesmo a lei garantindo a recomposição do corpo do doador para os rituais fúnebres de forma digna e sem deformidades. “É muito comum esse medo de estarem na fila da doação e acontecer alguma fatalidade com a família. As pessoas têm medo de doar e quando for velar o corpo ele estar mutilado. É muito importante que os profissionais entreguem os corpos em perfeitas condições”, acrescenta Karoline.
Fonte: O Liberal