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Ciência ajuda produtores de mel paraenses a conquistar seu primeiro selo de inspeção federal

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A maior produção de mel de abelhas-sem-ferrão no Pará alcançou, com o auxílio de pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, os parâmetros físico-químicos para aquisição do selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). A chancela abre acesso à comercialização do produto em todo o Brasil e até no exterior.

As cerca de uma tonelada e meia de mel da abelha uruçu (Melipona flavolineata) foram colhidas por dezenas de meliponicultores de várias regiões do estado e é a primeira vez que uma produção paraense consegue se habilitar às normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Esse feito inédito da meliponicultura no Pará atesta a adequação da produção à regulamentação e com isso abre o acesso ao mercado formal de consumo em todo o País e abre condições até para a exportação. “Esse era um elo que faltava para a consolidação e fortalecimento da cadeia produtiva do mel de abelhas nativas no estado”, frisa Daniel Santiago, pesquisador da Embrapa.

O cientista conta que a produção de mel a partir das abelhas melíponas, também conhecidas como sem ferrão, nativas ou indígenas, sempre ocorreu no Pará, mas nas últimas décadas tem conquistado novos produtores e avançado na profissionalização da criação.

Produção grande estava sem registro

No fim de 2018, cerca de 100 produtores paraenses organizados por meio do Instituto Peabiru, conseguiram colher uma tonelada e meia de mel e o feito inédito para a cultura no estado esbarrou na legislação. Conforme o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Mel, previsto na Instrução Normativa Nº 11, de 20 de Outubro de 2000, do Mapa, são necessários parâmetros e normas específicas para que o produto seja considerado mel e ingresse no mercado formal e acesse o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), fator determinante para a industrialização e comercialização nacional. Como não existem dados oficiais no estado não é possível estimar o número de meliponicultores no Pará e toda produção, até então, era comercializada informalmente nas feiras dos municípios.

Trabalho antigo

O meliponicultores contam com resultados e tecnologias geradas em mais de 20 anos de pesquisa da Embrapa com abelhas-sem-ferrão. Os pesquisadores promovem  cursos sobre  sistemas de produção, adaptação de caixas racionais de criação, entre outras. Recentemente também se beneficiam com o projeto Agrobio – Abelhas, variedades crioulas e bioativos agroecológicos: conservação e prospecção da biodiversidade para gerar renda aos agricultores familiares na Amazônia Legal.

Pesquisa estabelece protocolo de adequação do mel

O engenheiro químico Marcos Enê Chaves Oliveira, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, explicou que a Empresa foi procurada pelo Instituto Peabiru com a demanda de estabelecer um protocolo que adequasse o mel colhido pelos produtores familiares às normas federais. Isso porque a legislação que rege o produto foi elaborada com base no mel de apis (apis mellifera), abelhas exóticas com ferrão introduzidas no Brasil e que fornecem a maior quantidade de mel comercializado em todo o mundo.

Uma das principais diferenças que a pesquisa foi provocada a resolver estava no parâmetro que mede a umidade (quantidade de água) presente no produto. O mel de apis, comenta o cientista, possui naturalmente cerca 20% de umidade enquanto que o mel de abelhas-sem-ferrão pode ultrapassar os 30%. “Isso não é ruim, mas uma característica natural do mel produzido por essa espécie. No entanto, a legislação estabelece, entre outras normas, que a umidade presente no mel seja inferior a 20%”, enfatiza.

Um problema relativamente simples de solucionar, mas que continha uma pegadinha. Marcos Enê relata que para desumidificar o mel até o teor de 20% exigido, se fazia necessário um processo de aquecimento que gerou outro desafio. Ao ser aquecido, o teor de uma molécula presente no mel, chamada hidroximetilfurfural (HMF), tende a aumentar. Só que a norma também estabelece limites máximos para o HMF. “Tivemos que concentrar os esforços em descobrir o equilíbrio necessário para desumidificar o mel em tempo e temperatura, sem que os níveis de HMF fossem superiores 60 meq.kg (miliequivalente por quilo), conforme prevê a legislação”, revela o pesquisador.

Para se chegar a essa equilíbrio foram necessários cerca de seis meses de tentativas e diversas análises em laboratório.

Marcos Enê conta que o passo a passo para se conseguir a umidade abaixo dos 20% sem que o HFM ultrapasse os 60 meq.kg estará disponível em nota técnica a ser lançada este ano. “Essa padronização abre a possibilidade de que produtores de todo estado possam se habilitar a aquisição do SIF, fortalecendo a cadeia produtiva”, comemora o pesquisador.

O protocolo é um dos resultados do Agrobio, Abelhas, variedades crioulas e bioativos agroecológicos: conservação e prospecção da biodiversidade para gerar renda aos agricultores familiares na Amazônia Legal, integrante do Projeto Integrado para a Produção e Manejo Sustentável do Bioma Amazônia, financiado com recursos do Fundo Amazônia.

Padronizado sem perder o terroir

O mel produzido pelas abelhas-sem-ferrão se difere do mel comercial de apis em sabor, textura e fluidez. Também apresenta potenciais propriedades medicinais e cosméticas. “Por ter mais umidade, o mel é mais fluído e de sabor mais ácido, azedinho, uma característica muito apreciada no mercado”, detalha o pesquisador Daniel Santiago, líder do Agrobio.

Sabor mais ácido e consistência mais líquida é apreciada pelo mercado

Ele pondera que uma das preocupações dos pesquisadores, assim como dos produtores e da indústria, é que a padronização à legislação federal retirasse do produto características que lhe são únicas, como a fluidez por exemplo, e que esse processamento impactasse também no sabor, anulando ou diminuindo algo com forte apelo comercial e sensorial para o mercado gastronômico, o chamado terroir, essa característica que algo que é único, inigualável.

Para que essa identidade do produto se mantenha, a Embrapa tem atuado em diversas frentes para a profissionalização da cadeia, inclusive na elaboração de projeto de lei estadual e em comitês intergovernamentais na esfera federal. O problema imediato da padronização já tem protocolo para ser resolvido, mas é necessária legislação própria, nacional e estadual, que garanta o produto com todas as suas especificidades e também proteja os meliponários e seus criadores, de acordo com o cientista.

Isso porque, segundo a legislação vigente, as abelhas nativas são consideradas animais silvestres e cada criador só pode ter 49 colmeias, número inviável comercialmente, pois as melíponas possuem famílias menores e proporcionalmente, produzem menos mel. “Enquanto a caixa de apis possui, em média, 120 mil indivíduos e produzem entre 15 e 30 litros anuais por colmeia, as melíponas abrigam cerca de cinco mil e sua produção varia de um a cinco litros por ano”, explica Santiago.

Hermógenes Sá, coordenador do projeto Néctar da Amazônia, do Instituto Peabiru, instituição responsável pela organização dos produtores e da colheita histórica, acredita que a padronização à norma federal não retira o terroir do mel de abelha sem ferrão. “Ela permite que esse produto da Amazônia seja conhecido e comercializado para além as fronteiras locais”, prevê frisando que esse mel traz muito mais que um sabor diferenciado, ele agrega preservação ambiental e organização social das comunidades tradicionais envolvidas. “É abertura de mercado para um produto diferenciado e garantia de renda e organização para as comunidades”, reitera Sá.

Mel nativo da Amazônia alcança o mercado nacional

Ao obter o selo do SIF, por meio do estabelecimento dos parâmetros físico-químicos, o mel de abelha uruçu, coletado por produtores familiares de cinco municípios paraenses, foi totalmente adquirido pela empresa paraense Fitobel.

O agroindustrial Raimundo Vogado, proprietário da Fitobel, garante que há mercado nacional e internacional para o que chamou de “caviar do mel”, ao se referir ao mel de uruçu. Ele lembra que há anos tentava acessar esse mercado, mas a ausência de uma cadeia organizada no Pará inviabilizada o fornecimento regular de matéria-prima.

“Hoje já dispomos em nossa linha do mel envasado de abelha nativa da Amazônia e estudamos o lançamento de novos produtos, almejando, inclusive, o mercado internacional. O caviar do mel amazônico é admirado e pode ganhar o mundo”, prevê o empresário.

O sonho de prosperidade também é compartilhado pelo produtor familiar Cleiton Oliveira Santos, 34 anos, da comunidade Pingo D’água, município de Curuçá (PA) um dos 102 agricultores familiares responsáveis pela produção histórica de mel de uruçu paraense.

Em uma propriedade de cerca de dez hectares, a família produz citros, coco, hortaliças, peixes e, mais recentemente, mel de abelhas-sem-ferrão. Animado com o potencial dos insetos, Cleiton conta que vai investir o dinheiro adquirido com a comercialização na reforma e aquisição de caixas, para melhorar o meliponário e aumentar a produção.

A família criava apenas abelhas com ferrão e já conhecia as nativas, mas a formação do meliponário ganhou corpo após ele participar de um curso de sistema produção realizado pela Embrapa em Belém. Na sequência, ele integrou o projeto Néctar da Amazônia do Peabiru, com cursos de formação continuada e assistência técnica e hoje, junto a outras três famílias da comunidade, tornou-se referência na região.

Orgulhoso de sua produção, ele fala que as abelhas são importantes não só pelo mel, mas pelo desenvolvimento ambiental e social que proporcionam. “Quem cria abelhas não põe fogo na mata, preserva a floresta, se organiza enquanto comunidade e ainda vê a produção de frutos aumentar a olho vivo”, garante referindo-se à produção de seu pomar aumentada pela polinização feita pelas abelhas.

Com informações, Ascom/Embrapa

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