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Alvo de atiradores, camponeses do assentamento Dorothy Stang no Pará afirmam que Polícia tem sido omissa desde maio; Segup nega

Em pouco mais de três meses, ao menos três ataques foram registrados. Famílias são surpreendidas por tiros e incêndios pela madrugada e são obrigadas a se esconder na mata. Defensoria e MPF pedem providências.

Foto: Reprodução / Redes sociais
Foto: Reprodução / Redes sociais
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Trabalhadores rurais prestaram depoimentos na 1ª Defensoria Pública Agrária de Altamira afirmando que a Polícia do Pará tem sido omissa desde maio, ao denunciarem ataques por grupos armados. Em pouco mais de três meses, três ataques a tiros foram registrados no Lote 96 da Gleba Bacajá, no sudoeste do Pará, onde está sendo implementado o assentamento Dorothy Stang.

Uma escola foi totalmente destruída após um incêndio, em meio a tiros, na madrugada de sexta-feira (19), na área em processo de reforma agrária.

lote 96 é uma área pública federal, situada em uma região de disputa entre agricultores e grileiros, onde está em implantação o assentamento, que leva o nome da missionária norte americana assassinada em Anapu, no sudeste do Pará, em 2005.

A área é destinada ao total de 73 famílias. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), 54 famílias de agricultores vivem no local atualmente e vêm sofrendo ataques consecutivos promovidos por grileiros.

Após os relatos, a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) pediu cumprimento de decisão judicial, datada de maio, para atuação da Polícia Militar na região. Mas, segundo os moradores, a “segurança pública não tem agido para proteger os trabalhadores rurais”. Até então, nenhum autor dos ataques foi identificado ou preso.

A petição, assinada na sexta-feira (19) pela defensora pública, Bia Albuquerque Tiradentes, pede cumprimento com urgência da determinação de atuação da Polícia no local e que o comandante da PM de Altamira seja intimado a permanecer na área do Lote 96, da Gleba Bacajá, por trinta dias, no prazo de 24 horas, com fixação de multa.

A Defensoria pede, ainda, que o conflito seja informado à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará (Segup) e à Ouvidoria Agrária, bem como que a Delegacia de Polícia Civil Especializada em Conflitos Agrários de Altamira informe as medidas investigativas e a atual situação de violência e conflito do Lote 96.

Em nota, a Segup nega o que foi apontado pela DPE, afirmando que “os conflitos na área do lotes 96 e 28 têm atribuição dos órgãos federais, pois trata-se de uma região sob a responsabilidade da União, inclusive com demandas judiciais em andamento” e que “equipes das Polícias Militar e Civil estão no local desde o dia do ocorrido para dar apoio e agir dentro das atribuições legais do estado para elucidação dos fatos”.

Polícia Civil vai até Lote 96, em Anapu. — Foto: Reprodução / Polícia Civil do Pará

Polícia Civil vai até Lote 96, em Anapu. — Foto: Reprodução / Polícia Civil do Pará

A secretaria afirma também “que a PM faz rondas periódicas na comunidade, em razão de alguns defensores de direitos humanos estarem incluídos no programa de proteção do estado”.

Ataques na madrugada

Escola Municipal de Ensino Fundamental Paulo Anacleto ficou totalmente queimada. — Foto: Reprodução

Escola Municipal de Ensino Fundamental Paulo Anacleto ficou totalmente queimada. — Foto: Reprodução

Segundo os relatos dos moradores, a escola Paulo Anacleto foi incendiada, após um grupo armado atacar a tiros o assentamento.

Na ação criminosa, os homens usavam como abrigo a sede de uma fazenda na região, de onde os tiros saíram, apontam os relatos à DPE.

Cartuchos de calibre 12 deflagrados foram encontrados pelas vítimas, após os ataques, na fazenda onde os criminosos estavam.

Cartuchos de calibre 12 deflagrado em área de assentamento no Pará. — Foto: Reprodução

Cartuchos de calibre 12 deflagrado em área de assentamento no Pará. — Foto: Reprodução

Os assentados também informaram à Justiça do Pará, por meio da DPE, que acionaram a Polícia por volta das 4h de quinta-feira (18), mas os militares não chegaram; e que, uma hora antes, um drone sobrevoou o local.

Os moradores do Lote 96, na Gleba Bacajá,afirmam a área é “palco de conflito armado e violento contra as famílias de trabalhadores rurais que desenvolvem atividade agrária para subsistência”.

Omissão policial

Este seria o terceiro ataque em pouco mais de três meses este ano.

No dia último dia 11 de maio, duas casas de trabalhadores rurais foram incendiadas por cerca de dez homens armados, encapuzados, vestidos de preto, com armas de grosso calibre. O grupo agia em duas caminhonetes e um veículo menor como apoio.

O caso foi relatado no mesmo dia à Justiça, que determinou a atuação da Tropa Especializada da Polícia Militar por trinta dias. O local foi também inspecionado pela Justiça.

Mas, segundo o novo relato dos moradores à Justiça esta semana, a decisão ainda não havia sido cumprida, o que resultou em novo ataque no dia 9 de junho e em mais recente no dia 19 de agosto.

Em junho, duas famílias relataram à DPE que passaram “momento de pânico e terror”, quando por volta das 2h houve um tiroteio ao redor de suas casas. Com o barulho dos tiros, os assentados foram obrigados a fugir pela mata com as crianças, onde teriam passado a noite.

MPF também pede providências

O Ministério Público Federal (MPF) pediu, ainda na sexta-feira (19), providências sobre o ataque à Segup e à Polícia Civil do Pará. O órgão também solicitou apuração do que ocorreu na área e a avaliação da possibilidade de manter policiamento ostensivo no local pelos próximos 15 dias.

O g1 solicitou posicionamento das autoridades de segurança do Estado, mas não obteve resposta. Antes do pedido do MPF, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informou que a “situação que ocorre em Anapu na área do lotes 96 e 28″ e que é competência dos órgãos federais”, mas que “mesmo assim, equipes da Polícia Militar e Civil foram para a área dar apoio.

O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos também foi acionado, porque uma das lideranças integra o programa por conta de ameaças de morte.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável pela regularização fundiária, disse que o “assentamento ainda não foi implantado e que não houve seleção de famílias”. O órgão afirmou ainda que “os conflitos na área são objeto de investigação da Delegacia de Conflitos Agrários de Altamira”.

O Incra afirma que “aguarda a conclusão das apurações e a apresentação de eventuais denúncias por parte da delegacia especializada ao Ministério Público”.

Regularização do assentamento

O MPF já ajuizou duas ações civis públicas que tratam da tensão no lote 96. Em uma delas, o título apresentado por um fazendeiro que se dizia dono do local foi cancelado pelo Incra.

Na outra, uma sentença judicial ordenou que o Incra cumprisse etapas do procedimento administrativo para criar um assentamento na área.

O assentamento chegou a ser criado no primeiro semestre de 2022, mas o ato foi revogado posteriormente pelo governo federal.

Em maio deste ano, o lote 96 foi palco de um ataque por homens armados. Duas casas foram incendiadas. Em junho, um grupo voltou a rondar o local.

Em ambos os casos, o MPF solicitou providências a autoridades estaduais e federais das áreas de segurança pública e de defesa dos direitos humanos.

As famílias de agricultores do lote 96 convivem há anos com ameaças e ataques como os ocorridos neste ano e, desde a execução da missionária norte americana Dorothy Stang, Anapu contabiliza dezenas de assassinatos.

Nos processos judiciais referentes ao caso, o MPF demonstrou que a situação dos trabalhadores rurais era de indignidade humana pela demora do Incra em implantar os assentamentos.

Fonte: G1 Pará

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