O Ministério Público Federal (MPF) promoveu um seminário técnico sobre o futuro da região conhecida como Volta Grande do Rio Xingu, no município de Altamira (PA). O objetivo foi apresentar dados atuais e avaliações técnicas sobre a partilha das águas do Rio Xingu, tendo em vista as obrigações relativas à manutenção da sociobiodiversidade que condicionaram a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A região ficou conhecida como Trecho de Vazão Reduzida após o barramento e desvio do fluxo hídrico do rio para geração de energia pela usina. O evento foi realizado na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, na última terça-feira (14).
Organizado pelas Câmaras de Meio Ambiente (4CCR) e de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF(6CCR), órgãos de coordenação nacional nas respectivas temáticas, em parceria com o MPF no Pará, o seminário reuniu lideranças locais, acadêmicos e pesquisadores indígenas e ribeirinhos que vivem no Trecho de Vazão Reduzida. Também participaram do evento representantes de diversos órgãos públicos e setores do Governo Federal, como os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, Casa Civil, Advocacia-Geral e Defensoria Pública da União, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Agência Nacional de Águas e Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará.
Visão institucional – Durante a abertura do seminário, a coordenadora da 6CCR, Eliana Torelly, destacou a relevância de debater o assunto com técnicos, especialistas e lideranças das populações que dependem do Rio Xingu para sua sobrevivência. “A construção de Belo Monte gerou grande impacto para os povos indígenas e comunidades tradicionais. Precisamos estar sempre atentos a essa realidade e contexto, buscando soluções para prevenir ou minimizar os danos gerados”, afirmou.
Na mesma linha, o coordenador da 4CCR, Juliano Baiocchi, disse que o encontro trará luz a todas as autoridades envolvidas, além de mostrar para a sociedade que o MPF está atento à operação da usina de Belo Monte. “Temos o dever de acompanhar os princípios e a sustentabilidade ambiental e social da usina de Belo Monte”, destacou.
O procurador-chefe do MPF no Pará, Felipe Palha, lembrou que a ideia do encontro, idealizado pela procuradora da República Thaís Santi, que atua em Altamira, foi dar visibilidade à perspectiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais e às análises técnicas dos pesquisadores nomeados pelo MPF. “Os desafios de atuar na região Norte são inegáveis, mas reforço que os posicionamentos do Ministério Público na base espelham uma reflexão de todos da instituição”, ressaltou.
Na avaliação do procurador, é imprescindível considerar os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região para chegar ao hidrograma ideal, ou seja, a uma vazão sustentável do Rio Xingu naquela região. “Isto é inegociável para o MPF: a manutenção da vida e do modo de vida da Volta Grande do Xingu”, disse.
Conteúdo – Coordenado pelo procurador regional da República Ubiratan Cazetta, o evento foi dividido em três blocos. No primeiro, os pesquisadores indígenas e ribeirinhos que integram a equipe de Monitoramento Ambiental Territorial Independente da Volta Grande do Xingu (Mati) falaram sobre a situação atual da região, destacando a escassez, anomalias e mortandade de peixes, a contaminação da água, a dificuldade de navegação e o comprometimento da fauna e flora.
No segundo, os peritos do MPF fizeram análises técnicas dos dados do monitoramento e dos Estudos Complementares apresentados pela concessionária. Foi relatado que os cenários de inundação para diferentes valores de vazão demonstram que 70% a 80% das florestas aluviais deixarão de ser alagadas caso sejam aplicados os hidrogramas pretendidos por Belo Monte. Alertaram, ainda, que as medidas de mitigação propostas até o momento são incapazes de fazer frente aos impactos gerados por esse quadro, sem um pulso de inundação adequado.
No terceiro momento, os peritos apresentaram critérios para proposição de um hidrograma socioecológico para a Volta Grande do Xingu, destacando três aspectos. O primeiro é a necessidade de incorporar a variabilidade interanual de vazão e os efeitos do desmatamento e da emergência climática na bacia do Xingu. O segundo, a necessidade de ampliar o pulso de inundação, tanto em amplitude quanto em duração, para permitir piracemas (período de reprodução dos peixes). Por fim, frisaram a necessidade de eliminar oscilações operacionais de alta frequência e restaurar o efeito de remanso em igarapés.
Diálogo – Além das apresentações técnicas, o seminário abriu espaço para o diálogo com diversos órgãos públicos envolvidos na questão, além de representantes dos povos impactados e da sociedade civil.
A presidente da Funai, Joenia Wapichana, agradeceu a oportunidade de ouvir os “parentes” do Xingu sobre os impactos gerados por Belo Monte e ressaltou que está trabalhando para que a autarquia reassuma seu papel de defesa dos povos indígenas. “A Funai assume o compromisso de fazer uma reanálise dos seus procedimentos, para garantir que haja uma avaliação adequada sobre o cumprimento das condicionantes impostas ao empreendedor”, asseverou.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que o licenciamento de Belo Monte é um tema prioritário do órgão ambiental, que fará uma avaliação técnica sobre todos os pontos em discussão, especialmente o hidrograma. Ponderou também que os diversos estudos e pesquisas sobre os ciclos hidrológicos do Xingu são essenciais para a busca da solução mais adequada.
“O que eu posso antecipar é que vamos fazer um trabalho técnico, considerando todos os dados e informações trazidos aqui durante o seminário”. Agostinho assegurou, ainda, que todos os interessados e órgãos intervenientes, como a Funai, serão ouvidos, para que o Ibama tenha clareza dos pontos sensíveis. “Estamos abertos ao diálogo para que, juntos, possamos encontrar caminhos para que o meio ambiente seja resguardado e que as populações do Xingu sejam valorizadas, respeitadas e tenham seus direitos assegurados”, concluiu.
Fonte: MPF/PA