No Pará, a Covid-19 contamina homens e mulheres na mesma proporção. Porém, eles são os que mais morrem. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Pará (Sespa) desta segunda-feira (1º), do total de óbitos provocados pelo novo coronavírus, 65,4% são de homens, representando 1.973 mortes. Enquanto as mulheres são 34,6% dos óbitos, ou seja, 1.046 casos.
Segundo pesquisadores, o número é reflexo dos valores que circundam a masculinidade machista. Em suas camadas mais corriqueiras, revela uma resistência dos homens para adotar medidas de prevenção como o uso de máscaras e evitar sair à rua. Em sua consequência mais brutal, o machismo provocado impactos nas relações familiares que são potencializados durante o isolamento social. Um dos reflexos mais preocupantes diz respeito ao aumento de casos de violência contra mulher e abusos sexuais contra crianças e adolescentes.
O tema “Homens e masculinidades em tempos de pandemia” será debatido por especialistas convidados pelo Conselho Regional de Psicologia do Pará e Amapá (CRP-10), em live realizada pelas redes sociais nesta segunda-feira, às 19h.O debate reúne a professora Valeska Zanello, da Universidade de Brasília (UNB), e Eric Alvarenga, professor do curso de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), com mediação de Jureuda Guerra, presidente do CRP-10.
Sem prevenção
Há um dado no modo de criação e educação machista muito presente nesse jeito masculino de “não ligar” para as coisas e desafiar o que está colocado, o que num momento de pandemia pode representar riscos reais para a saúde de todos.
“Você tem uma presença majoritária dos homens em casos mais graves e ocupando leitos de UTI. Isso é observado não só no Brasil como em diversos outros países. Esse quadro tem uma relação direta com o modo como esses homens, historicamente, agem. Há padrões de ‘como ser homem’ que fazem com que eles tenham uma dificuldade maior de lidarem com aspectos de prevenção. Eles relutam mais em fazer exames, buscar ajuda médica. É uma masculinidade que causa impacto também na saúde do homem”, diz Eric.
Violência
“Vamos debater sobre a formação das masculinidades e o que o Covid-19 tem interpelado nessas masculinidades. O que significa os homens em casa o aumento das violências contra as mulheres”, diz Valeska.
No Brasil, 90% dos casos de violência sexual e outros tipos de violência contra crianças e adolescentes ocorrem no ambiente familiar, praticados por quem tem o dever legal de proteger a vítima, mas acaba sendo o seu algoz. Em meio à pandemia, que trouxe a necessidade de isolamento social, e, no caso do Pará, um dos estados que adotou o ‘lockdown’, o risco para crianças ainda se torna maior, pois estão convivendo mais diretamente com o agressor.
Segundo o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), há muita subnotificação. Somente 10% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades competentes, já que os familiares não querem, de regra, a punição do agressor, que costuma ser um parente. Muitas vezes, buscam responsabilizar a própria vítima, ou desacreditam da criança quando é feita a revelação do abuso sexual.
Outro aspecto é o aumento de casos de violência contra a mulher na pandemia. Segundo dados da Polícia Civil do Pará, 148 registros de violência contra a mulher foram feitos nas delegacias do Pará entre os dias 19 de março a 2 de abril, durante o período de isolamento social. Ainda de acordo com a polícia, a maioria das agressões aconteceram no interior do estado (78%), mas o número de registro caiu pela metade em relação ao mesmo período no ano passado, que foram 291 casos. Para juízes que atuam nas Varas de proteção às mulheres alertam que a realidade pode ser outra.
De acordo com o TJPA, em março deste ano, os juízes expediram quase 700 medidas protetivas para garantir a segurança de mulheres ameaçadas e agredidas no estado. Os pedidos cresceram 9% em relação ao mesmo período em 2019. As medidas protetivas que estão com prezo para terminar durante o período de isolamento podem ser renovadas pela mulher entrando em contato por telefone com as secretarias das Varas de Violência Doméstica.