A Justiça Federal determinou que Amair Feijoli, condenado por envolvimento na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang em Anapu (PA), deixe as terras públicas que ocupa dentro da Floresta Estadual do Antimary, unidade de conservação de responsabilidade do Estado, dentro de 60 dias.
A decisão é resultado de uma ação civil pública ingressada pelo Ministério Público Federal do Acre (MPF-AC) que iniciou, em junho deste ano, uma investigação pelo fato de Feijoli ter comprado a área da União em 2005 e ter começado a desmatar o local desde então.
Diante disso, Carolynne Souza Oliveira, juíza Federal da 1ª Vara da Justiça Federal no Acre, determinou que Feijoli e a filha desocupem a área no prazo de 60 dias. A decisão é do dia 25 outubro.
“Ante o exposto, defiro a tutela provisória de urgência requerida pelo Ministério Público Federal para determinar aos requeridos Amair Feijoli da Cunha e Patrícia Coutinho da Cunha a desocupação voluntária da área Fazenda Canaã no prazo de 60 dias, com a retirada de seus bens móveis, a fim de que seja retomada aposse direta da área pelo estado do acre, cessionário da unidade de conservação Floresta do Antimary, criada em gleba da União. Vencido o prazo acima assinalado sem que cumprida espontaneamente a ordem de desocupação, determino que a Polícia Federal, com apoio do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), adentrem no imóvel e procedam à retirada forçada dos que se opuserem à ordem de desintrução, ficando os órgãos ambientais (IBAMA, IMAC e SEMA) autorizados a proceder à retirada dos bens móveis que lá eventualmente ainda permaneçam”, destaca na decisão.
A Floresta Estadual do Antimary foi constituída em 1997 pelo decreto estadual nº 046. Os antigos donos das terras atualmente ocupadas por Feijoli e sua filha, Patrícia Coutinho da Cunha, venderam a área em 2005. Porém, a Justiça entendeu que a venda não tem validade, uma vez que a área se trata de terra pública.
“Carlos Duarte Pinheiro e Pedro da Costa Alexandrino não observaram o marco temporal, uma vez que, segundo alega o próprio requerido Pedro, a ocupação se iniciou nos anos de 2004/2005”, destaca.
Com a investigação, o MPF detectou também que Carlos e Pedro nunca moraram na área dentro da unidade de conservação, mas sim em Rio Branco, capital do Acre. Logo, não se enquadram no perfil de população tradicional, não fazendo jus à regularização fundiária.
“Trata-se, em verdade, de invasão de área pública e, em consequência, a venda da ocupação de áreas públicas aos requeridos Almair da Cunha Feijoli e Patrícia Coutinho da Cunha não tem validade jurídica, sequer autoriza indenização por benfeitorias em razão terem eles ciência fato que impede a aquisição”, destaca o documento. Ocorre que a presença dos invasores oriundos do Projeto de Assentamento Wilson Lopes despertou conflito fundiário com pessoas que reivindicam parcela significativa de terras no interior da Unidade de Conservação, na propriedade denominada Fazenda Canaã. Esse conflito tem resultado em obstrução de passagens, ameaças e hostilidades, tendo os invasores procurado o Ministério Público para relatar os fatos e exigir providências”, diz o pedido do MPF.
A Justiça entendeu que os documentos apresentados por Amair e pela filha não são válidos.
‘Perseguido’
O advogado da família, Ayres Dutra, disse que há uma grande injustiça nesse caso, uma vez que as terras ocupadas por pai e filha estão documentadas. Ele disse ainda que deve recorrer da decisão.
“O Amair já foi intimado da decisão e ele vai tomar as providência jurídicas cabíveis, já que o próprio Supremo Tribunal federal [STF impede essas reintegrações, desocupações liminares sem se formar uma comissão e o seu Amair adquiriu um imóvel, que tem documento com certidão válida até hoje, e tá aí sofrendo mais uma grande injustiça. Essa floresta do Antimary foi criada sem terra, ou seja, ela não tinha imóvel, ela não era regulamentada, foi criada sob supostamente terra da União e dentro dos limites dessa floresta tinham propriedades particulares”, defende.
O advogado afirma ainda que a família é perseguida por invasores e que nada é feito com relação a isso. Ele também faz duras críticas à gestão da floresta.
“Quanto aos invasores que procuraram o MPF, não há nenhuma providência jurídica contra os mesmos e os desmandos lá são horrendos e vão ser informados ao Judiciário. A magistrada decidiu sem ouvir a outra parte, mas há tempo para tudo. Ele vai explicar o grande e evidente e cristalino direito. Seu Amair não é grileiro, comprou e está sofrendo uma injustiça e vai corrigi-la”, destaca.
Conforme registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR), os proprietários declararam um tamanho total de 5.488,34 hectares, sendo explorados 200 hectares e todo o resto formado por vegetação nativa. A partir dos relatos das pessoas ouvidas no inquérito civil de que, após a venda da propriedade, os novos ocupantes teriam, além de ameaçar e hostilizar as pessoas locais, promovido abertura de extensas áreas.
“Constata-se, de 2020 para 2021, um aumento significativo na área desmatada, a qual se expande em 164,35 hectares. Isso corrobora as oitivas coligidas no inquérito civil que apontam para um intenso desmatamento após a vinda de Amair Feijoli para o local. Registre-se que a dinâmica de desmatamento tende a aumentar cada vez mais, em vista da suposição razoável de que o requerido Amair Feijoli não medirá esforços para rapidamente recuperar o valor investido”, destaca o MPF.
Entenda
Conhecido como Tato, ele foi condenado a 18 anos por intermediar amorte de Dorothy Stang.
Segundo a Justiça do Pará, foi ele quem contratou os pistoleiros Rayfran e Clodoaldo Carlos Batista para assassinar a missionária a mando de Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão.
Nas terras dele, dentro da unidade, foram apreendidas três armas de fogo, sendo duas espingardas, um rifle calibre 22, munições calibre 12 e um colete à prova de balas que, provavelmente, faz parte do patrimônio da Polícia Militar, da Polícia Civil ou de uma das outras forças de segurança.
Quatro pessoas que estavam na fazenda foram presas por posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. O delegado responsável pela operação, Marcos Frank, explicou que Patrick da Cunha, filho do fazendeiro, era procurado pela tentativa de homicídio, e o pai dele por ameaçar os moradores e, agora, pela posse ilegal de arma de fogo.
Briga por área de terras
A atuação da família na região, segundo os moradores, é criminosa, envolvendo ameaças e até tentativa de homicídio. Patrick Coutinho da Cunha, filho de Amair, é suspeito de atirar duas vezes em um agricultor por causa de uma briga por terras em Sena Madureira, interior do Acre.
O agricultor acusa Amair Feijoli de se apropriar de uma área de terras que ele comprou há dois anos no Ramal Cassirian, zona rural do município de Sena Madureira. Após a compra, o agricultor afirma que Amair começou a invadir uma área de 5 mil hectares que fica próximo da terra dele e acabou tomando sua propriedade também.
O homem havia dado uma paulada na cabeça de Amair, pai de Patrick, após cobrar uma dívida por uma terra que Amair teria tomado. Ele acabou baleado no tórax e na barriga, passou por cirurgia em um hospital de Rio Branco e foi liberado para ir para casa, na zona rural de Sena Madureira.
A briga ocorreu no final do mês de abril, mas o agricultor só denunciou o caso em maio, quando deixou o hospital.
O agricultor registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Sena Madureira. A defesa de Amair Feijoli e de Patrick da Cunha alega que os disparos foram feitos para tentar evitar que Amair fosse morto durante a briga.
Tentativa de homicídio’, diz defesa
Ao g1, o advogado Ayres Dutra, que representa a família de Amair, afirmou que o cliente sofreu uma tentativa de homicídio. Segundo a defesa, Patrick teria atirado em direção ao chão para evitar que o pai fosse morto na briga. Dutra alegou também que Amair desmaiou e ficou desacordado após a briga.
“Não morreu por sorte, porque houve um revide, pegou essa paulada na cabeça por trás. Existe no Acre um movimento muito estranho e ilegal dando força para esses invasores desrespeitarem uma área que vai ser comprovada que está escriturada no Amazonas, existe um proprietário e não foi invadida. A inversão de valores é muito grande, mas já estamos colocando força para descobrir de onde está saindo isso”, justificou na época.
O advogado acrescentou ainda que toda a confusão será esclarecida para que a justiça seja feita. “Esse rapaz que se diz vítima, que foi alvejado, na verdade, é um criminoso. Tentou tirar uma vida, impossibilitando seu Amair de se defender. Seu Amair só parou lá para tomar um refrigerante, e o rapaz deu uma paulada nele”, pontuou.
O advogado afirmou também que há denúncias de diversos invasores na região e nenhuma providência foi tomada até o momento. Segundo eles, esses invasores querem tomar a fazenda que Amair comprou.
Operação contra o desmatamento
Em janeiro de 2021, um grupo de 40 pessoas, entre moradores e invasores da Unidade de Conservação Ambiental Floresta Estadual Antimary (FEA), localizada na BR-364 entre Sena Madureira e a cidade do Bujari, no interior do estado, procurou a Promotoria de Justiça da cidade para denunciar que Amair tinha se mudado para uma fazenda na localidade e estaria fechando alguns ramais (estradas de terra), retirando madeira ilegalmente e criando gado.
Na época, ele virou alvo da Polícia Civil e do Ministério Público do Acre (MP-AC) por desmatar uma área de 600 hectares, além de criar gado e ameaçar moradores e outros invasores da área protegida.
O Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA), Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) e Secretaria de Meio Ambiente Estadual (Sema) também apuravam denúncias, na época, contra a filha de Amair, Patrícia Coutinho da Cunha.
Ela é quem se apresentava como dona das terras que, supostamente, o pai teria invadido e desmatado. A família de Amair se mudou para o Acre em 2020. Ele, no entanto, continua mantendo residência no Pará, onde também teria terras.
Em maio deste ano, o Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA) e o Grupo de Comando e Controle coordenado pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) foram mais uma vez à Unidade de Conservação Ambiental Floresta Estadual Antimary (FEA) apurar denúncias de crimes ambientais.
Algumas pessoas foram presas, houve apreensão de material, e o Imac aplicou alguns autos de infrações e embargou a área desmatada.
O comandante do BPA, major Kleison Albuquerque, explicou à Rede Amazônica Acre que as equipes de fiscalização voltaram à região na última semana para apurar novas denúncias.
Desta vez, três homens foram flagrados derrubando árvores castanheiras dentro da unidade de proteção ambiental e presos por crime ambiental. Eles foram levados para a delegacia de Sena Madureira e liberados durante audiência de custódia na última sexta (24).
Segundo a polícia, os suspeitos são trabalhadores contratados por Amair.
“Todas as providências em relação a comando e controle que cabe aqui a nível de estado, de resposta imediata, vêm sendo tomadas desde o início. Agora está em uma esfera acima da capacidade do nossa gestão. Vai para o plano do Poder Judiciário, depende da ação de reintegração de posse, aí envolve governo federal, PGE [Procuradoria Geral do Estado] e essas respostas a gente sabe que sempre são mais lentas”, lamentou.
O advogado Ayres Dutra, que representa Feijoli, afirmou que o trio estava do lado do estado amazonense. “Foram presos porque estavam trabalhando”, alegou.
Estragos
Conforme dados do Instituto de Meio Ambiente (Imac), entre janeiro de 2021 e maio deste ano, a região ocupada ilegalmente pela família de Amair sofreu um desmate de 225,5 hectares. O instituto emitiu diversos autos de infração por diversos crimes ambientais, apreendeu equipamentos como: motosserras, combustível, correntes e outros.
A Rede Amazônica Acre teve acesso a alguns desses documentos e verificou que, durante esse período, o Imac multou Patrícia Coutinho da Cunha, filha de Amair, em mais de R$ 1,1 milhão por crimes ambientais cometidos na Unidade de Conservação Ambiental Floresta Estadual Antimary (FEA).
O major Kleison Albuquerque destacou ainda que o maior crime praticado na região pela família de Feijoli é o desmatamento ilegal na reserva.
Os órgãos ambientais vêm acompanhando a situação desde a mudança da família e, conforme as investigações, há vários pontos de desmatamentos que vêm sendo ampliados ao longo dos anos.
“Já pegaram a área aberta, então, ampliaram o desmatamento e mais, o incentivo às invasões que é um problema que o Acre vem enfrentando e eles estão expandido. O informe que a gente tem é que estão também no lado do Amazonas. Então, de imediato, esse desmatamento, mas também acho que a questão da impunidade. Essa é a pior parte porque se a gente analisar que teve uma resposta imediata com Polícia militar, Civil, Imac, com a própria Semac e agora com a Seplag, que está coordenando o Grupo de Comando e Controle, o que fia a ação dele [Amair Feijoli] é a impunidade. A gente trabalha justamente nessa, não vou dizer lentidão, mas nesse tempo do processo legal. O processo legal é demorado e ele age justamente nesse espaço”, criticou.
Fonte: G1 Pará