O Ministério Público Federal (MPF) suspeita que o incêndio que consumiu 1.175 hectares da vegetação de savana de Alter do Chão, em Santarém, oeste do Pará, tenha começado dentro da área loteada irregularmente por Silas da Silva Soares, condenado em 2018 e foragido da Justiça.
Alter do Chão é um dos balneários mais famosos do país, o que torna a região objeto de cobiça das indústrias turística e imobiliária. O MPF investiga desde 2015 uma ocupação desordenada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão, e não é raro órgãos de fiscalização ambiental identificarem invasões de terra na localidade.
A grilagem na APA teria sido feita por Silva Soares, acusado de desmatamento ilegal, dentro de uma área conhecida como Capadócia. Como alguns focos do incêndio ocorrido entre os dias 14 e 17 se concentraram na Capadócia, o Ministério Público suspeita de que ao menos um tenha iniciado na área invadida por Silas.
“Meu cliente está fora da cidade para fins de tratamento cardiológico, que se preso ele não teria no Sistema Penitenciário. Vale ressaltar que uma das cautelares definidas pela Justiça Federal é de que ele nem pode ir até a área que foi objeto do processo. Então, querer atribuir a uma pessoa que está doente, com quadro cardiológico grave e há milhares de quilômetros, qualquer ligação com o caso das queimadas na área da APA Alter do Chão é uma conjectura sem tamanho”, disse.
O advogado ressaltou que espera das autoridades uma investigação séria, para identificar e punir os verdadeiros culpados. “As autoridades devem basear-se em provas e não se curvem ao imediatismo de encontrar um culpado a qualquer custo”, destacou Nonato.
Preso antes de ser condenado
Antes mesmo da condenação, Silas chegou a ser preso em Santarém. No entanto, em razão de problemas cardíacos que não tinham como ser tratados na penitenciária, a Justiça autorizou que ele ficasse em prisão domiciliar.
Após ser condenado a a seis anos e dez meses de prisão e multa por instalar um loteamento urbano privado e promover desmatamento ilegal na região do Lago Verde, também dentro da APA Alter do Chão, Silas não foi localizado pela Justiça para retornar à penitenciária e cumprir a pena. Ele é considerado foragido desde então.
Sobre a decretação da prisão de Silas determinada na sentença, o advogado disse que foi baseada em um documento (recibo) de suposta comercialização de terra pública que foi juntado ao processo após as alegações finais, sem possibilidade de defesa.
“O processo está em grau de apelação ao Tribunal Regional Federal, meu cliente está ausente da cidade para cuidar de grave doença cardiológica e fazendo uso de um direito seu de recorrer de uma condenação injusta. O recurso de habeas corpus seguirá ao Supremo Tribunal Federal pugnando pela revogação da ordem de prisão”, informou Raimundo Nonato Castro.
Processo Civil
Silas também foi condenado em um processo civil a pagar pela recuperação da área degradada. No entanto, como ele continua foragido e o MPF entende que o trabalho de recuperação é urgente, os promotores pediram à Justiça que a prefeitura de Santarém apresente e execute o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas. Os custos poderão ser cobrados posteriormente de Silas Soares.
O processo foi iniciado pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e, posteriormente, enviado para a Justiça Federal a pedido do MPF. O objetivo era obrigar a prefeitura de Santarém a fiscalizar e evitar a instalação de ocupações irregulares nas margens do Lago Verde.
Biodiversidade da APA
Do processo civil constam laudos e estudos científicos que demonstram a importância ecológica da biodiversidade encontrada na região e a preocupação das comunidades locais com a promoção de um turismo que desrespeita a preservação cultural e ambiental de Alter do Chão.
As florestas locais são compostas de quatro tipos de sistemas florestais, mais a savana ou cerrado amazônico — um tipo de vegetação que ocorre em apenas 7% do bioma e é considerado de extrema relevância para conservação. Estudos mostram que a savana na região existe de maneira mais ou menos estável pelos últimos 3 a 4 mil anos.
De acordo com o MPF, o cerrado amazônico presente em Alter do Chão, assim como trechos de florestas não-alagadas, foram as vegetações mais atingidas pelos incêndios recentes. Na área foram encontradas 475 espécies de árvores que abrigam 300 espécies de aves, 93 espécies de répteis entre lagartos, serpentes, anuros, jacarés, tartarugas e jabutis, além de 62 espécies de morcegos, 38 espécies de mamíferos de médio e grande porte (onças, maracajás, guaribas, antas, tamanduás, tatus) e um número ainda não documentado de mamíferos de pequeno porte.
Entre os mamíferos de médio e grande porte, pelo menos seis espécies estão ameaçadas de extinção: Panthera onca (onça-pintada), Puma concolor (onça-vermelha), Leopardus wiedii (maracajá-peludo), Puma yagouaroundi (maracajá-preto), Speothos venaticus (cachorro-vinagre) e Alouatta belzebul (Guariba-de-mãos-ruivas).
O levantamento sobre a biodiversidade da área integra estudo solicitado pelo MPF à Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) sobre a ocupação desordenada em Alter do Chão.
Todas essas informações constam do processo civil, bem como uma nota técnica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que revela a presença de vegetação bem conservada em pelo menos 67% da APA Alter do Chão, mesmo com a presença humana, o que aponta para intervenções urgentes contra o avanço de invasores de terras públicas.