Um relatório divulgado na semana passada pela organização Transparência Brasil revelou que o país registra mais de duas mil obras públicas na área da educação paralisadas. De acordo com o estudo, o Pará ocupa a segunda posição nacional com maior número de obras nesta situação. Somadas, elas chegaram a receber um total de R$ 180,5 milhões do governo federal. A maior parte, 88% das 281 obras citadas pelo levantamento, está sob gestão dos municípios. Os dados são do relatório “Tá de Pé 2020”, realizado em dezembro do ano passado, que avaliou o estado de construção de obras de escolas e creches financiadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Além das obras paralisadas, o Pará tem ainda 278 atrasadas – destas, 91% estão sob gestão das Prefeituras – e 209 canceladas – 97% deste número também é de responsabilidade municipal. O montante de recursos repassados para as obras atrasadas ou canceladas chega a R$ 191 milhões.
A diretora de operações da Transparência Brasil, Juliana Sakai, explica que o próprio FNDE tem um portal em que são disponibilizadas informações sobre as obras financiadas por ele – o Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec). Pelo site, é possível consultar todas as obras e ter acesso a uma planilha com informações referentes a elas. “Tivemos um trabalho de ‘raspar’ os dados no site para recompor alguns buracos na planilha. Em alguns casos, as obras não têm informações, e aí pode não ter havido repasse ou ter havido, mas não ter sido colocado ali. Em outros casos, há convênios com valor para três obras, aí não sabemos quanto cada obra vai receber. Tentamos remediar”, afirma.
Ao analisar os dados, uma das coisas que chamaram a atenção dos pesquisadores, segundo Juliana, foi a quantidade de obras paralisadas. A Transparência Brasil aponta que as principais causas para esta situação são a contratação de empresas sem condição financeira para concluir a obra, falhas no planejamento da contratação ou do projeto, deficiências na fiscalização das obras e atrasos nos repasses federais.
Segundo a diretora, existe muita dificuldade em concluir as obras. Seja em casos de abandono, paralisação ou atraso, o resultado, na avaliação dela, é a deterioração das construções, o que representa um desperdício de recurso público. “O Pará tem grande quantidade de obras paralisadas. O que aconteceu com as obras e com os contratos? É muito grave o quadro, porque mesmo proporcionalmente é um dado negativo. Sabemos que existe muita demanda para escolas e creches, mas o Estado não foi capaz de executar essas obras”.
Para ela, o governo federal também tem responsabilidade no resultado, uma vez que não faz a liberação de recursos como deveria – como atrasos nos repasses de parcelas – enfatiza Juliana. Somado a isso, há a dificuldade dos governos locais em gerir o recurso empregado. “Às vezes, é paga uma parcela muito alta no início, que depois diminui e a construtora não quer mais porque já teve o lucro. Isso é um contrato mal feito, não foi pensado com interesse público”, destaca a especialista.
Marajó tem os piores resultados
Ainda de acordo com o levantamento, os três municípios paraenses com o maior número absoluto de obras paralisadas estão no Marajó: Breves, Curralinho e Chaves. Os dois primeiros têm 22 obras nesta situação cada e receberam, respectivamente, R$ 12,4 milhões e R$ 4,1 milhões. Já Chaves possui 19 obras no mesmo estado, com repasses de R$ 781,7 mil. Nos três casos, houve troca de gestão nas eleições de 2020.
Em toda a região do Marajó, composta por 12 cidades, são 80 obras de escolas e creches paralisadas, 70 atrasadas e 28 canceladas. A exceção é o município de Afuá, que não consta na pesquisa. Com isto, apenas a região possuía recursos na casa dos R$ 57,1 milhões em obras atrasadas, paralisadas e canceladas.
Por meio de nota, a Prefeitura de Chaves informou que o município, ao longo dos últimos 10 anos, recebeu dos governos federal e estadual recursos para investimento em obras de infraestrutura nas áreas de saúde, educação, urbana e social, que nunca foram concluídas e critica a gestão anterior por não ter concluído obras iniciadas.
Ainda segundo a administração municipal de Chaves, todos esses recursos eram federais, com exceção do mercado municipal, que recebeu valores do governo do Estado do Pará. No caso das obras canceladas, a Prefeitura garante que os recursos foram devolvidos e as obras ficaram inacabadas. O motivo para a atual situação das obras na cidade, segundo a gestão, é o chamado “Custo Marajó”, maior em relação a outras regiões pela dificuldade de logística.
“O custo no Marajó é um dos grandes gargalos para se iniciar e terminar uma obra. A cidade estar com este destaque é algo negativo. Por isso, a atual gestão já vem trabalhando no sentido de não cometer os mesmos erros das gestões anteriores, de não levar em consideração o custo real de uma obra no Marajó. E passar a investir dentro de uma realidade que atenda às nossas especificidades. A atual gestão tem buscado dar soluções para resolver esse problema de obra inacabada ou cancelada, onde somente a população sente seus efeitos”.
A Prefeitura de Curralinho também enviou nota à reportagem, assinada pelo prefeito Cleber Edson dos Santos Rodrigues, destacando que busca “evitar os erros de gestões anteriores”. O prefeito afirma ainda que “quando um município recebe um investimento para a construção de uma creche, por exemplo, essa quantia é enviada através de parcelas, que chegam de acordo com o andamento das obras. Se as obras param, o dinheiro não chega mais ao município e, quando isso ocorre, todo o processo é prejudicado. A cidade fica sem creche, porque a obra foi parada, por algum motivo, mesmo com investimentos sendo realizados”, afirma o prefeito. Segundo o chefe do Executivo Municipal, desde o início da gestão, a nova administração tenta solucionar problemas emergenciais deixados pelas gestões anteriores. Já a Prefeitura de Breves, até o fechamento desta matéria, não deu retorno.
Governo estadual lidera obras paralisadas
Em relação apenas às obras estaduais, o relatório mostra que o Pará tem o maior número de escolas paralisadas – neste caso, não entram as creches, já que elas são administradas pelas Prefeituras. De acordo com o “Tá de Pé 2020”, o Estado tem 33 obras paralisadas, que receberam recurso de R$ 65,5 milhões; 25 atrasadas, com repasse de R$ 43,5 mi; e mais seis canceladas, com montante de R$ 3,08 milhões. Isto representa mais de R$ 112 milhões empregados em obras com problemas de execução.
A equipe de O Liberal visitou, pessoalmente, um prédio indicado pela pesquisa, localizado na travessa José Pio, no bairro do Telégrafo, em Belém, na Escola Estadual de Ensino Médio Magalhães Barata, que seria reformada e ampliada, mas está com o status “cancelada” no documento. No local, um funcionário que não se identificou afirmou que houve, de fato, uma obra na escola, mas que esta já teria sido finalizada. A reportagem observou, no entanto, que o prédio parece abandonado. O funcionário ressaltou que nenhum profissional tem comparecido à instituição. No mapa, a escola consta como “temporariamente fechada”.
Procurado, o governo do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), esclareceu que, desde 2019, quando iniciou a atual gestão do Executivo Estadual, foi dado início a um levantamento da situação processual e estrutural das obras em escolas que já estavam projetadas ou em execução. “Neste caso específico, as unidades escolares elencadas no levantamento estão sendo construídas com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e a Seduc está verificando junto ao Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle (Simec) o problema em cada obra paralisada para reverter o status em que elas se encontram”.
A Secretaria ainda informa que, até o final de maio, licitará as empresas que vão atuar nos serviços das unidades escolares de Ananindeua, São Félix do Xingu, Floresta do Araguaia, Novo Repartimento, Rondon do Pará, Parauapebas e outras. “Destaca-se, ainda, que das seis obras tidas como canceladas no levantamento, a atual gestão da secretaria conseguiu reverter a situação de duas dessas, por meio de uma repactuação, seguida de um termo de compromisso com iniciativas privadas do Estado, garantindo, desta forma, que os serviços voltem a ser executados o mais breve possível”, diz a nota enviada à reportagem.
Sobre os recursos das obras que se encontram paralisadas ou canceladas, a Seduc reitera que, enquanto os trabalhos não tiverem continuidade, o valor destinado aos serviços é retido pelo FNDE, sem causar nenhum tipo de ônus ao beneficiário dos investimentos ou para o governo federal. “Por fim, ressaltamos o compromisso do governo do Estado na retomada e conclusão das obras mencionadas no levantamento, que também vão contar com recursos do Tesouro Estadual, haja vista que alguns serviços tiveram seu início de construção em 2011, e estão com planilhas de custos defasadas”, finalizou o governo.
Fonte: O Liberal