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Pedidos de medida protetiva a mulheres aumentam 35% no PA: ‘é o meu maior alívio’, diz vítima de violência doméstica

Foto: Divulgação
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Entre 26,3 mil denúncias de violência doméstica, 17 mil são vítimas que entraram com pedidos de medidas protetivas de urgência em 2021 no Pará. Foram 35% a mais do que as solicitações no ano anterior. D.M. foi uma dessas mulheres que recorreram à Lei 11.340 de 2006, a lei Maria da Penha: “é hoje o meu maior alívio”, ela diz.

A vítima convivia com o agressor há 18 anos, desde os 16, com quem teve cinco filhos. A cada gestação, a agressividade só aumentava, segundo ela – o último bebê foi gerado a partir de estupro. Foi obrigada a largar a escola, a não trabalhar, a manter-se subserviente, a não usar de métodos anticonceptivos, e era chamada de “louca, histérica” a cada vez que tentava sair dessa situação.

Segundo dados do Ministério Público do Pará (MPPA), foram registrados 11.076 protocolos para medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica em 2020 – e no ano seguinte, foram 17.093. Em 2022, já são contabilizados 2.461 pedidos de proteção – veja na tabela abaixo.

Violência doméstica no Pará

AnoDenúnciasProtocolos de medidas protetivas
201933.44111.444
202021.35211.076
202126.33517.093
20193.6462.461

Fonte: MPPA

O principal intuito da política de medidas protetivas é tentar proteger as vítimas do feminicídio, que está em crescente no Pará nos últimos três anos.

Foram 46 casos em 2019; 66 casos em 2020; e 69 em 2021, segundo Secretaria de Inteligência e Análise Criminal (Siac), vinculada à Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup). Até o fim de janeiro de 2022, já são 9 mortes.

Nos casos em que a violência é denunciada a tempo, a lei Maria da Penha, prevê, no artigo 22, que “constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, (…), o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, (…), as seguintes medidas protetivas de urgência”:

  1. suspensão da posse ou restrição do porte de armas (…)
  2. afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
  3. proibição de determinadas condutas para com a mulher, familiares e testemunhas, como:
    a) aproximar-se, fixando o limite mínimo de distância;
    b) contato por qualquer meio de comunicação;
    c) frequentar determinados lugares;
  4. restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores (…); e outros.

Foi o que D.M. obteve para começar a se livrar de constantes humilhações, agressões e estupros, todos cometidos pelo ex-companheiro, e na presença das crianças pequenas. Mas, segundo ela, a decisão de se proteger é tão difícil quanto suportar os dias de violência.

Ciclo abusivo

O fim da adolescência e a vida adulta de D.M. seguiram um padrão, identificado por pesquisas científicas que apontam que agressores de mulheres agem de maneira universal. O relacionamento começa como todos os outros, depois alterna entre tensão, violência e reconciliação.

“Eu era cheia de sonhos, muito doce, a melhor aluna da classe, fazia teatro, dança, era popular. Na época, eu havia tido poucos relacionamentos, vivia estudando, era religiosa e uma buscadora nata. Mas aí conheci ele, era mais velho. Passamos a sair, como amigos, e ele me mostrando um mundo que não conhecia. Acho que percebi logo no início que ele poderia me fazer mal algum dia, mas achei que era coisa da minha cabeça. Ele dizia que eu era imatura, que deveria confiar nele. Minha mãe gostava dele e passei a achar que eu poderia estar sendo exigente demais. Então veio o pedido de namoro, e dois meses depois estava grávida”.

Após a gravidez, os dois passaram a morar juntos e foi quando os estudos foram interrompidos.

“Ele dizia que afinal eu era muito nova e teria muito tempo depois para isso, que agora a prioridade era ser mãe e esposa, que quando a criança crescesse mais, eu voltaria a estudar, mas nunca consegui, até documentos meus de matrícula ele jogou fora. Então passei a desacreditar de mim mesma. Também não pude trabalhar. Todas as minhas tentativas resultavam em agressões dele”.

Segundo D.M., as gestações surgiam, pois era obrigada a não usar métodos contraceptivos. Enquanto isso, as agressões só evoluíam:

“Ele sempre me prometia que iria melhorar, me jurava amor, e me fazia acreditar que eu o irritava e que a culpa de tudo era minha. Eu sonhava que algum vizinho pudesse ajudar, e que eu me livrasse daquilo tudo, mas por outro lado, não tinha renda, não terminei o ensino médio, meus amigos eu já não tinha, me vi sem apoios e temia perder a guarda das crianças”.

O fim do relacionamento chegou um dia após um estupro, de acordo com o relato. “Passamos a morar em um local com portaria, assim eu me sentiria mais segura, pois havia dito que não queria mais e pedi para ele ir embora. Na mesma noite, acordei sendo estuprada. Decidi que aquilo deveria parar e procurei ajuda psicológica. Um mês depois disso, a psicóloga me encorajou a denunciar”.

O boletim de ocorrência, registrado na Delegacia da Mulher, no bairro do Marco, em Belém, teve quatro páginas de relato da vítima. Logo depois, ela foi informada da medida protetiva, que já havia sido comunicada ao agressor.

“Então quando saiu e fui informada, me senti aliviada. Estou agora lutando para conseguir a pensão alimentícia, é outra batalha, enquanto o processo segue nas vias civil e criminal. E também, procurando cuidar de mim, do trabalho que salvou a minha vida e a dos meus filhos”.

Feridas emocionais

Assim como as agressões físicas, os danos emocionais também marcam a vida da vítima, como explica a advogada criminalista Tatiane Moraes, atuante na área da violência doméstica.

“É toda e qualquer conduta que cause dano emocional à mulher, que prejudique seu pleno desenvolvimento ou que tenha como finalidade controlar suas ações, através de diminuição da autoestima, humilhações, ameaças, chantagens, manipulações e qualquer outro comportamento que resulte em prejuízo psicológico da vítima”.

Segundo Moraes, “na maioria dos casos a violência é cometida pelo companheiro ou ex, mas a Lei Maria da Penha protege toda relação de parentesco, afinidade ou afeto vigente ou rompida, não sendo necessária que sejam marido e mulher, ou seja, é possível reconhecer a violência como doméstica entre irmã e irmão ou pai e filha, se a motivação for o gênero feminino”.

Para muitas das vítimas, a violência psicológica acaba sendo entendida como condição do relacionamento, e não caso de polícia.

Moraes lembra que a Lei 14.188, de 28 julho de 2021, acrescentou ao Código Penal o crime de Violência Psicológica contra a Mulher, previsto no art. 147-B.

“Isto é, antes disso, a violência psicológica era apenas prevista na Lei Maria da Penha como forma de violência, porém, não existia a tipificação penal de crime, portando não existia qualquer previsão de sanção específica ao agressor, apenas a medida protetiva poderia ser requerida nesses casos. Agora, além da medida protetiva, o agressor poderá ser responsabilizado com pena de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave, em caso de condenação”, detalha.

O que fazer?

A violência psicológica é o estágio inicial do ciclo da violência doméstica, ou seja, antes de o indivíduo usar a agressão física, inicia com a violência emocional. Quando a mulher perceber que está sendo manipulada, desqualificada, diminuída, inferiorizada, ou quando o parceiro distorce, omite fatos, confunde sentimentos, percepção e memória da vítima, o chamado ‘gaslighting‘, de imediato ela deve procurar ajuda terapêutica e jurídica para sair do relacionamento abusivo e responsabilizar o agressor”, explica Moraes.

A advogada complementa, ainda, pontos que a mulher deve observar:

  • “A vítima nunca é culpada pela violência que sofre, a culpa é exclusivamente do agressor”.
  • “De forma preventiva, é importante buscar informações sobre o indivíduo, se já existe algum histórico de ser violento em relacionamentos, sempre que houver essa possibilidade”.
  • “No contexto de já estar no relacionamento abusivo, a mulher deve imediatamente recorrer à Delegacia da Mulher ou ao telefone 180 para procurar ajuda e, de imediato, solicitar medidas protetivas para que o agressor não entre em contato com ela de nenhuma forma, inclusive digital, e também existem medidas protetivas de natureza patrimonial”.
  • “apesar de a palavra da vítima ser fundamental, para que haja êxito na denúncia é importante obter outras provas que comprovem o dano, a autoria do crime e a motivação, como gravações de ligações, áudios ou vídeos, prints de conversas, testemunhas, laudos psicológicos e psiquiátricos, pois muitos casos são arquivados por ausência de provas ou por se perderem no decurso do tempo, já que é comum que as vítimas custem a denunciar o ofensor”.
  • “Após a denúncia, ao mesmo tempo que o agressor vai responder ao procedimento da medida protetiva para afastá-lo da vítima e o procedimento que investiga o crime em si, o que poderá se tornar ação penal após denúncia do Ministério Público”.
  • “E descumprir decisão judicial da medida protetiva é crime, cuja pena é de 3 meses a 2 dois anos, podendo ser preso em flagrante em caso de descumprimento”.

Fonte: G1 Pará

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