A violência financeira contra idosos é uma prática comum no Brasil. Por serem consideradas vulneráveis, as pessoas que estão nesta faixa etária se tornam alvos fáceis de criminosos que aplicam golpes pela internet ou de maneira física a fim de roubar quantias em dinheiro. Dados disponibilizados pelo Disque 100, serviço de denúncias da Ouvidoria da Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal, revelam que a violência financeira contra idosos é a terceira mais cometida no Brasil contra o público mais velho, atrás apenas da violência psicológica e da negligência. No Pará, o mesmo órgão estima que, em 2022, até esta semana, tenham sido registradas 157 denúncias de violências financeiras contra as pessoas de 60 anos ou mais.
Aposentada, M. Magalhães, de 68 anos, que prefere não ser identificada pelo primeiro nome, é uma das pessoas que caíram em golpes financeiros neste ano. Apesar de se considerar antenada, esperta e esclarecida, ela não desconfiou quando um criminoso se passou pelo seu filho e pediu um alto valor emprestado para pagar contas da empresa. “Isso foi o que me deixou mais chateada. Eu sei como acontece, assisto muito jornal, sou antenada em tudo. Jamais imaginaria cair em uma história dessa. Mas, às vezes, você pensa que está esperto e não está”, diz.
O golpe
Três meses atrás, M. recebeu uma mensagem supostamente de um dos filhos, na qual ele informava que havia trocado de número de celular e que passaria a usar aquele como pessoal e deixaria o anterior com a empresa. Como ele realmente é empresário e a foto de perfil tinha a logomarca da empresa de marketing, a aposentada acreditou. Não percebeu que o número de telefone não era o mesmo que estava nos grupos da família. Até a forma que o criminoso usou para se comunicar com a vítima era a mesma da pessoa que ele fingia ser, usando o tratamento “tu” com a mãe.
“Perguntei como ele estava e ele me disse que estava passando raiva em uma reunião. Precisava fazer um pagamento e tinha dado algum bug no celular e o aplicativo do banco não estava funcionando. Perguntou se eu conseguiria fazer um pagamento no valor de R$ 5 mil e pouco, mas eu disse que não tinha recebido todo o meu salário ainda. Recebo duas aposentadorias e naquele dia uma já havia caído e eu gastei com pagamentos, e não tinha a outra parte. Mas, como ele me prometeu que devolveria quando se liberasse da reunião, meu coração de mãe doeu. Meu marido tinha um dinheiro guardado em casa e pedi para ele ir ao banco depositar. Foi depósito imediato, no mesmo banco que o meu”, lembra.
No dia seguinte, M. precisou ir a uma consulta médica perto de um shopping da capital, quando recebeu outra mensagem do criminoso que se passava pelo seu filho. Ele disse que ainda não havia conseguido resolver o problema do celular e que precisava de mais uma quantia em dinheiro. Mas a aposentada já não tinha mais recursos disponíveis para fazer o empréstimo – a única saída seria acionar o cheque especial, no valor de R$ 12 mil.
Antes de fazer a transferência, M. ligou para o celular que achava que era de seu filho. Mesmo ouvindo a voz do criminoso, não desconfiou, porque a ligação estava ruim e o áudio baixo. “Resolvi passar o valor do meu cheque especial, foi até para outra conta. No dia seguinte falei com meu filho no outro número dele. Disse para ele não esquecer de me devolver o dinheiro porque ia precisar, tinha vários pagamentos para fazer. Ele já me ligou e perguntou ‘que dinheiro?’ e começou a me brigar, dizendo que não tinha cabimento ele me pedir dinheiro, que tem os negócios dele todos organizados, várias contas da empresa para fazer pagamentos. Fiquei mais embaixo que o chão”, conta a aposentada.
Na mesma hora ela fez um Boletim de Ocorrência (BO) e o marido foi até o banco tentar recuperar a quantia depositada dois dias antes. Como havia sido um depósito imediato, não foi possível recuperar o montante, e M. precisou arcar com todo o valor. Logo em seguida ela recebeu o décimo terceiro salário de sua aposentadoria e conseguiu devolver o dinheiro que pegou do marido e depois repôs o cheque especial. “Graças a Deus não fiquei aperreada, mas claro que R$ 17 mil fazem uma falta doida. O pior de tudo foi me perguntarem como caí nesse golpe. E olha que sou esperta, mas eles têm técnicas para isso. Imagino pessoas que mal sabem mexer no banco”.
Golpe do boleto falso
Dois meses antes do crime, a aposentada já havia caído em outro golpe financeiro: o do boleto falso. Ela precisava pagar uma prestação do carro, no valor de R$ 1.300, mas não conseguiu falar com o escritório da empresa e pesquisou na internet o aplicativo do banco – foi redirecionada a uma página falsa e recebeu um boleto forjado para pagar. Dias depois o banco começou a ligar para a cliente cobrando o pagamento e informaram que o boleto pago era falso.
“Agora toda vez que vou fazer qualquer pagamento ou transferência fico com o pé atrás. Minha dica é que as pessoas fiquem espertas e prestem muita atenção. No boleto, tem que procurar o código do banco, porque às vezes os golpistas colocam o nome certo, mas o código com outro número. E outra dica é sempre olhar tudo, todos os dados da transação, quem vai receber, se tá tudo certo”, orienta a aposentada.
Golpe financeiro é crime
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que, dentre os casos de golpes, destacam-se os crimes que usam a engenharia social, que consiste na manipulação psicológica do usuário para que ele lhe forneça informações confidenciais, como senhas e números de cartões para os criminosos, ou faça transações em favor das quadrilhas. A doutora em direito e políticas públicas Thaís Muller diz que a engenharia social pode ser enquadrada como crime cibernético, segundo a lei nº 12.737/2012, e sua pena pode variar de acordo com a gravidade de cada caso, resultando em três meses até um ano de prisão, além de multa a ser definida.
Alguns exemplos específicos de diferentes tipos de crime cibernético, segundo ela, são: fraude por e-mail e pela internet; fraude de identidades, quando informações pessoais são roubadas e usadas; roubo de dados financeiros ou relacionados a pagamento de cartões; roubo e venda de dados corporativos; extorsão cibernética, que exige dinheiro para impedir o ataque ameaçado; ataques de ransomware, um tipo de extorsão cibernética; cryptojacking, quando hackers exploram criptomoedas usando recursos que não possuem; e espionagem cibernética, quando hackers acessam dados do governo ou de uma empresa.
“A maioria dos crimes cibernéticos se enquadra em duas categorias principais: atividade criminosa que visa computadores e atividade criminosa que usa computadores para cometer outros crimes. Os crimes cibernéticos que visam computadores muitas vezes envolvem vírus e outros tipos de malware. Os crimes cibernéticos que usam computadores para cometer outros crimes podem envolver o uso de computadores ou redes para disseminar malware, informações ilegais ou imagens ilegais. As leis aplicáveis, além do direito penal, são a Lei Carolina Dieckmann, o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a lei nº 14.155/2021.
Especializado em proteção de dados, o advogado Marcílio Braz explica que a sociedade vive um processo de transformação digital “apressado” e agora existe um leque muito grande de vítimas para os criminosos na internet. “Existiam poucas pessoas que usavam a internet, já faziam compras, já conheciam. A grande maioria da população brasileira não fazia uso, até porque não tinha celular. Nos últimos anos, de uma hora para outra, também por conta da pandemia, todo mundo teve que entrar nessa para sobreviver ao dia a dia. E agora vivemos uma lei de mercado: oferta e demanda. O agente malicioso do outro lado está vendo que aumentou a oferta e agora tem muito mais gente participando e ele vai aproveitar. Então, os golpes são os mesmos que tinham desde sempre, eles só migraram de meio. Ficou até mais fácil para o golpista pegar as pessoas”, comenta.
Mesmo não sendo uma regra, o profissional diz que o público idoso é um grupo ainda mais vulnerável na internet, porque, além de não estar tão familiarizado como os mais novos, geralmente tem mais dificuldade com a tecnologia. Em caso de cair em algum golpe financeiro, o advogado diz que o usuário deve procurar uma delegacia especializada em crimes digitais. Na Polícia Civil (PC) existe a Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos (DECCC). A pessoa deve fazer um BO e, depois disso, entrar em contato com o banco para tentar identificar os dados do criminoso para o qual aquele dinheiro foi transferido. Caso a transação tenha sido feita por meio do PIX, que é instantâneo, Marcílio acredita que seja difícil reaver a quantia perdida.
Especialistas dão dicas
Uma orientação que o advogado dá é que cada pessoa crie um código ou senha e divida com familiares e amigos próximos. Dessa forma, se um criminoso tentar entrar em contato, basta pedir a senha para saber se aquele diálogo é falso. “Você diz para o filho, neto, que se alguém o procurar dizendo que você foi sequestrada tem que dizer a senha. A ideia é criar uma frase, um ditado popular ou uma passagem bíblica. Se alguém ligasse dizendo que é uma das minhas filhas eu perguntaria qual é a palavra. A pessoa do outro lado não sabe”, ensina.
Para golpes relacionados com vendas pela internet, seja em redes sociais ou em contas de aplicativos de compra e venda, Marcílio indica que o usuário sempre desconfie, principalmente de preços abaixo do mercado. “Se o item custa R$ 5 mil e está sendo vendido por R$ 2 mil, você tem que refletir se faz sentido. Aí é que entra a engenharia social. Nessa hora, a pessoa do outro lado vai dizer que a filha está doente, que está precisando levantar dinheiro, que não está capitalizado, que tem que ser rápido e outras razões. E eles ativam o lado psicológico da coisa, fazendo com que você sinta que está levando uma vantagem. Então, a regra é essa: se está muito grande a diferença de preço, desconfie”.
Se, mesmo assim, o usuário quiser adquirir aquele bem, outra dica é marcar a transação presencialmente, dando o dinheiro em espécie, em um local seguro, como em frente a uma delegacia. E a última orientação do advogado é que a pessoa que está prestes a se sentir lesada sempre opte por pedir o PIX para fazer essa transação. Dessa forma, é possível conseguir informações pessoais do criminoso, como o banco para o qual ele pede a transferência.
Marcílio passou por uma situação parecida recentemente, quando criminosos se passaram por sua filha, que já faleceu. “Chegou uma mensagem dizendo: ‘Oi, pai, meu celular quebrou, aqui é Bia’. Parei tudo que eu estava fazendo de trabalho e durante seis horas fiquei cozinhando a pessoa. Disse que queria fazer por PIX, ele me passou a chave e joguei no aplicativo do banco, como se fosse fazer a transferência. No final ele mostra uma tela para você colocar o valor e uma observação, e lá sempre tem, na parte de cima, o agente pagador, e você consegue saber qual é o meio de pagamento. Vi que era uma empresa da qual sou cliente há muitos anos e consegui derrubar a conta do cara na hora. Ele enlouqueceu, arranjou outra chave PIX, de outro banco, fui lá e derrubei também”, conta.
Seja cético. Mesmo.
Especialista no mercado financeiro e assessor de investimentos, Leonardo Cardoso diz que a principal saída é ser desconfiado ao extremo e cético com potenciais benefícios que parecem “negócios da China”, além de ter muito cuidado com promessas de ganhos fáceis e elevados em aplicações financeiras, ou mesmo que lhe convidem a tomar empréstimos em seu nome para que você faça investimentos que renderão acima da taxa paga no crédito. A possível vítima pode também pedir opiniões de parentes próximos antes de tomar qualquer decisão.
Uma forma de identificar se a ação é um golpe é ter atenção ao meio pelo qual foi contatado, pois é muito comum em golpes financeiros ser, supostamente, contatado pelo banco ou por uma instituição financeira por meio de aplicativos de mensagem ou por SMS. “As instituições financeiras não entram em contato com você dessa forma, é sempre por um meio de contato autenticado e autorizado. Por isso, caso tenha recebido um contato de uma instituição financeira, procure o telefone dela na internet e entre em contato, pelos contatos oficiais, e se certifique de que foram eles mesmos que entraram em contato com você”, orienta. O especialista ainda diz que os bancos e instituições financeiras têm, por obrigação, proteger o patrimônio e as informações pessoais e bancárias dos usuários. Por isso, o cliente deve ter cuidado na hora de informar esses dados por meio aplicativos,
Conheça os principais golpes aplicados e como eles devem ser evitados
1. Golpe do falso funcionário do banco
O que é: O fraudador entra em contato com a vítima se passando por um falso funcionário do banco ou empresa e solicita dados pessoais e financeiros da vítima para fazer transações fraudulentas em nome do cliente.
Como evitar: O banco nunca liga para o cliente pedindo senha nem o número do cartão e nem para pedir para realizar uma transferência ou qualquer tipo de pagamento. Ao receber uma ligação suspeita, o cliente deve desligar, pegar o número de telefone que está no cartão e ligar de outro telefone para tirar a limpo a história.
2. Phishing (pescaria digital)
O que é: Fraude eletrônica cometida pelos engenheiros sociais que visa obter dados pessoais do usuário. A forma mais comum de um ataque de phishing são as mensagens e e-mails falsos que induzem o usuário a clicar em links suspeitos, além de páginas falsas na internet que induzem a pessoa a revelar dados pessoais.
Como evitar: Sempre verifique se o endereço da página de internet é o correto. Não clique em links: digite o endereço no navegador. Nunca acesse links ou anexos de e-mails suspeitos. Mantenha seu sistema operacional e antivírus sempre atualizados. Prefira comprar em sites conhecidos, e nunca use computadores públicos para compras online.
3. Golpe do falso motoboy
O que é: Uma pessoa que se passa por funcionário do banco liga para o cliente e diz que o cartão foi clonado, informando que é preciso bloqueá-lo. Ele pede que o usuário corte o cartão ao meio e digite a senha no telefone. Um motoboy busca o cartão para uma perícia, mas, como o chip permanece intacto, é possível realizar diversas transações.
Como evitar: Nenhum banco pede o cartão de volta ou envia qualquer pessoa ou portador para retirar o cartão na casa dos clientes. Desligue o telefone e ligue, de outro aparelho, para o banco, para verificar se realmente houve alguma irregularidade.
4. Golpe do falso leilão
O que é: O fraudador envia um link à vítima que simula um falso leilão. Para que possa ser dado um lance, a vítima tem que preencher formulários com seus dados pessoais e financeiros ou depositar um valor na conta do fraudador.
Como evitar: O cliente nunca deve enviar dados, senhas e acessos a ninguém. É necessário sempre verificar a origem dos links recebidos antes de clicá-los. Verifique a veracidade do site de leilão e avaliações de outros usuários.
5. Golpe do WhatsApp
O que é: Golpistas tentam cadastrar o WhatsApp da vítima nos aparelhos deles. Para concluir a operação, é preciso inserir o código de segurança que o aplicativo envia por SMS sempre que é instalado em um novo dispositivo. Os fraudadores enviam uma mensagem pelo WhatsApp fingindo ser do Serviço de Atendimento ao Cliente e solicitam o código de segurança, sendo possível replicar a conta de WhatsApp em outro celular e enviar mensagens para os contatos da pessoa pedindo dinheiro emprestado.
Como evitar: Habilite, no aplicativo, a opção “Verificação em duas etapas”. Desta forma, é possível cadastrar uma senha que será solicitada periodicamente pelo aplicativo e que não deve ser enviada para outras pessoas ou digitadas em links recebidos.
Fonte: O Liberal com informações da Febraban