Uma proposta de reforma administrativa está sendo desenvolvida pelo governo federal e os impactos dela no Pará podem ser diversos. O projeto pretende construir uma legislação que seja compatível com a Constituição no que tange cargos, carreiras e planos públicos. Do lado positivo, especialistas apontam uma melhor coordenação entre os órgão estaduais e municipais, resultando em políticas públicas mais adequadas às necessidades da população. No entanto, as mudanças podem centralizar funções e reduzir a autonomia de entidades locais.
A ideia da reforma é substituir o Decreto-Lei nº 200/1967, artifício instituído durante a ditadura cívico-militar (1964-1985) e que ainda hoje “dispõe sobre a organização da administração federal”. Pensando nisso, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) e a Advocacia Geral da União (AGU) criaram uma comissão formada por mais de uma dezena de especialistas, entre juristas, servidores públicos, pesquisadores e acadêmicos. O grupo tem até abril de 2025, doze meses após o início dos trabalhos, para elaborar a proposta de revisão da lei em vigor.
Na prática, representantes do MGI afirmam que a reforma já está em andamento. Em entrevista à Agência Brasil, José Celso Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas da pasta, disse que a proposta está sendo colocada “em ação” desde 2023 e ocorre “por meio de uma série de medidas de natureza infraconstitucional e incremental que já vêm sendo adotadas”. Em agosto deste ano, o ministério publicou uma portaria com diretrizes das carreiras do serviço público, orientando os órgãos a como apresentar propostas de reestruturação de cargos, carreiras e planos.
Superação
Essa não será a primeira vez que o país passa por uma reforma administrativa. Aleph Hassan Costa Amin, professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Pará (UFPA), lembra que na década de 1960 o Brasil viu uma proposta, consolidada pelo Decreto-Lei da época da ditadura, como resultado para superar o modelo burocrático nos anos anteriores. “Havia uma pressão pela modernização administrativa, visando o desenvolvimento econômico, pois se compreendia que uma administração moldada por preceitos burocráticos limitava o alcance desse objetivo”.
Nessa reforma, os princípios básicos incluíram planejamento, descentralização, delegação de autoridade, coordenação e controle, visando modernizar a administração pública e alinhamento do aparato estatal às demandas de desenvolvimento econômico. Agora, o professor analisa que é necessário pensar em mudanças que incluam a necessidade de reorganizar e simplificar a estrutura do Estado, “resolvendo a fragmentação institucionalizada”. “Na prática, o modelo atual não demonstra uma atuação coordenada entre as várias entidades da administração pública”, afirma.
“A expansão institucional sem planejamento apresenta limites claros, pois, apesar do constante crescimento de órgãos públicos, a sociedade não sente que está sendo adequadamente atendida em serviços essenciais. O desejo de mudança baseia-se em novos pilares que promovam sustentabilidade, agilidade e transparência para a administração pública e são por estas razões que se discute a atualização do Decreto-Lei nº 200/67, buscando uma administração mais alinhada às necessidades atuais”, complementa Aleph Hassan.
Pará deverá ter duplo cenário
Uma reforma administrativa, na visão do professor, é essencial para corrigir disfunções na estrutura – que carece de legitimidade social. No entanto, no caso do Pará, a consolidação da proposta pode gerar dois cenários. “A reforma pode melhorar a coordenação entre os órgãos estaduais e municipais, resultando em políticas públicas mais coesas e eficazes em áreas essenciais, como saúde, educação e segurança. A ênfase em uma administração dialógica fortaleceria a participação social, adaptando as políticas públicas às realidades”.
“Dependendo da abordagem adotada, a reforma pode centralizar funções, reduzindo a autonomia de entidades locais e dificultando a adaptação das políticas às necessidades regionais. Os desafios estruturais no Pará podem limitar a eficácia de uma implementação digital ampla, gerando disparidades entre regiões desenvolvidas e vulneráveis. A resistência de servidores locais à introdução de novos sistemas de controle e inovação pode ser significativa, caso não haja capacitação adequada. Esses impactos dependem de uma adaptação regional cuidadosa e inclusiva”, adiciona Aleph.
Especificidades
O professor considera, também, que a implementação de uma reforma administrativa no Pará deve considerar as especificidades do estado, “para que se promova mais eficiência e participação social, ao mesmo tempo em que se evitam possíveis efeitos negativos, como a perda de autonomia local e dificuldades de execução em áreas com menor infraestrutura”. “A sociedade contemporânea exige uma administração dialógica e consensual, que coloque a população no centro das discussões sobre políticas públicas, tornando o processo mais participativo e transparente”, finaliza.
Trabalhadores são críticos à reforma
Sob a ótica da classe trabalhadora, a reforma administrativa não gera muito otimismo. Cleber Rezende, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB Pará), atribui a falta de expectativas à atual composição do governo. “Sobretudo a composição do Congresso Nacional, tendo como referência a Câmara dos Deputados. É muito reacionária aos direitos do povo brasileiro, em especial da classe trabalhadora, e tem uma visão muito pró-patrão, com objetivos sobretudo econômicos e não sociais. Tendo essa referência, é preocupante o que pode vir de proposta”.
Contas públicas
Um dos objetivos propostos pela reforma administrativa é o equilíbrio das contas públicas. Mas Rezende questiona se o projeto trará mesmo essa solução. “Porque os dados de 2017 do Atlas do Estado Brasileiro do Ipea, mostram que 48% dos funcionários públicos ganham até dois salários. E, no nível municipal, o número de servidores com esse preço médio é de 61%. Portanto, a reforma, ao contrário do que se vende e se divulga, vai atacar exatamente esses servidores que estão na base do serviço público brasileiro, e não os detentores dos grandes salários”, conclui o presidente do CTB Pará.
Fonte: O Liberal