Em um ano marcado pela pandemia de Covid-19, pouco se fala de outra doença infecciosa que segue em alta no Brasil e no mundo: o sarampo.
Em seu mais recente boletim epidemiológico, o Ministério da Saúde calcula que, só em 2020, foram 8.217 casos e sete mortes pela doença no país. Os dados compreendem o período de 29 de dezembro de 2019 a 17 de outubro de 2020.
Além do número altíssimo para uma doença que pode ser evitada por meio da vacinação, há outro fato que chama a atenção no relatório: o Pará vive um verdadeiro surto de sarampo.
O Estado apresenta 5.294 casos confirmados (64% do total do país) e já notificou cinco mortes (71% do que foi registrado em território nacional).
Mas como o Pará se tornou o epicentro da doença no país?
Imigração e falha vacinal
Para entender direitinho essa história, é preciso voltar no tempo: em 2016, o Brasil recebeu da Organização Mundial da Saúde um certificado de eliminação do sarampo. Na prática, isso significava que o vírus causador da moléstia não estava mais circulando dentro de nossas fronteiras.
Em menos de dois anos, a conquista foi por água abaixo: em 2018, o país viveu um surto da doença como não sofria há quase duas décadas. Naquele ano, os Estados do Amazonas e Roraima foram os mais acometidos, com quase 10 mil indivíduos infectados.
Mas o que explica esse ressurgimento justamente nessa região do Brasil? “Houve uma reintrodução do vírus a partir da Venezuela, com a chegada dos refugiados que cruzaram a fronteira desses Estados”, conta a infectologista Tânia Chaves, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará.
Que fique claro: a culpa pelo surto não deve ser creditada aos venezuelanos. Afinal, se toda a população brasileira estivesse vacinada contra o sarampo, o agente infeccioso não conseguiria circular livremente entre nós.
“Infelizmente, relaxamos nossa vigilância e tínhamos uma grande parcela da população desprotegida”, lamenta Chaves, que também representa a Sociedade Brasileira de Infectologia.
Em 2019, a situação se agravou ainda mais, com a confirmação de 15 mil casos de sarampo. Os Estados mais atingidos foram São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro.
Chegamos, então, ao surto atual no Pará. Os especialistas concordam que o sarampo parece ter “pulado” do Amazonas e encontrado no Estado vizinho toda uma população vulnerável. Em um contexto de baixa imunização, a proximidade com dois Estados que tiveram em anos recentes um alto número de casos de sarampo deixou o Pará extremamente vulnerável à doença.
“O grande número de casos se deve a um bolsão de pessoas suscetíveis que se formou a partir das baixas taxas de vacinação nos últimos anos”, analisa o sanitarista Bruno Pinheiro, diretor do Departamento de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará.
Vale dizer que o sarampo está entre as doenças mais contagiosas que afligem os seres humanos: um único indivíduo infectado chega a transmitir o vírus para outras 18 pessoas. A título de comparação, estima-se que, na Covid-19, esse número varie entre 2 e 3.
Então, o que fazer?
Para conter o problema, nos últimos anos o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais fizeram extensas campanhas de vacinação contra o sarampo.
O imunizante, conhecido como tríplice viral por proteger contra os vírus causadores de sarampo, caxumba e rubéola, está disponível há décadas no Sistema Único de Saúde a todos os brasileiros.
A recomendação é tomar duas doses. A primeira é dada quando o recém-nascido completa os 12 meses de vida. A segunda pode ser aplicada até os 29 anos de idade.
Os surtos que se iniciaram no Brasil a partir de 2018 motivaram algumas alterações nesse esquema vacinal: atualmente, os especialistas oferecem uma “dose zero” em bebês que possuem entre 6 a 11 meses. “Essa é uma medida emergencial para garantir uma maior proteção neste momento, mas as duas outras doses a partir do primeiro ano de vida continuam essenciais”, diz Chaves.
Outra estratégia adotada foi reforçar a proteção dos adultos. A ideia é que as pessoas de 20 a 49 anos que não têm carteirinha de vacinação ou não sabem se tomaram a tríplice viral no passado recebam uma dose da vacina ou completem o esquema de imunização para ficarem resguardados.
As campanhas, porém, apresentam resultados frustrantes. O Pará tinha como meta vacinar 3,4 milhões de pessoas ao longo de 2020. Até o início de novembro, apenas 26% do público-alvo, ou cerca de 900 mil adultos, receberam suas doses.
A situação é ainda pior quando analisamos o país como um todo. Entre o início da mobilização nacional contra o sarampo (iniciada no dia 16 de março) até 29 de outubro, 11,7 milhões de brasileiros de 20 a 49 anos foram imunizados. Isso corresponde a 13% da meta.
Fonte: G1/BemEstar