A formanda Cleyce Anambé é a primeira mulher indígena a concluir o curso de direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). Na quarta-feira (13), ela defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre a violação dos direitos humanos indígenas no período da ditadura militar no Brasil. “Foi uma vitória, depois de tantas dificuldades enfrentadas durante a graduação, finalmente, consegui”, comentou.
O povo Anambé, segundo Cleyce, vive às margens do rio Cairari, nas proximidades da vila Elim, zona rural de Moju, no nordeste do Pará. Cleyce contou que ingressou na universidade pública pelo Processo Seletivo Especial (PSE), em 2013, e saiu de Moju para viver em Belém, distante cerca de 125 quilômetros dos parentes indígenas. Desde então, ela casou e teve uma filha, que está com três meses atualmente. “A trajetória na faculdade é muito difícil, tive que largar tudo e a minha família quando vim para Belém, não conhecia nada aqui, o primeiro ano foi bastante difícil quando morei sozinha”, disse.
A estudante recebe o auxílio permanência da instituição, concedido a indígenas e quilombolas. “É uma luta, mas a UFPA é uma verdadeira mãe, o auxílio é extremamente necessário”. Em 2018, o governo federal anunciou 2,5 mil vagas de bolsa permanência. Indígenas e quilombolas consideraram o número insuficiente e bloquearam a entrada do Palácio do Planalto, em Brasília, em protesto.
Pesquisa
Sobre o trabalho, Cleyce explicou que tratou sobre justiça de transição e a violação dos direitos indígenas durante a ditadura. “O trabalho levou dois semestres, por conta da gravidez, e eu tive que conciliar as duas coisas. Me identifico muito com o tema, fiquei bastante feliz com o resultado e a nota excelente”, contou.
O TCC é um estudo teórico de análise documental que aborda dois documentos que trouxeram informações sobre violações no período da ditadura – o ‘Relatório Figueiredo’, documento que ficou desaparecido durante 45 anos e foi encontrado em 2013; e o relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2014.
“Ambos os documentos mostram diversas atrocidades que causaram genocídio de comunidades indígenas, e a partir disso, defendi que as violações não só acometeram a pessoa indígena, mas ao patrimônio também. Por fim, inclui a questão da justiça de transição que fala de quatro pilares – o direito à memória, verdade, justiça, e reparação”, explicou.
Inclusão
Para a professora de direito Eliane Moreira, orientadora de Cleyce, o trabalho é um grande avanço. “Ela trouxe um trabalho belíssimo, que veio do inconformismo com a necessidade de se ter no Brasil novos momentos de direitos realmente assegurados, um trabalho cientificamente muito sólido, de uma mulher que enfrentou muitas dificuldades e que coroa todos os esforços da faculdade em assegurar a inclusão de estudantes indígenas”, afirmou.
Em 2017, o primeiro aluno indígena concluiu o curso de direito da UFPA. Alan Tembé, da comunidade Tembé, disse como bacharel na cerimônia do diploma que sonhava em passar na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).