O Ministério Público Federal (MPF) propôs, nesta sexta-feira (20), um conjunto de 31 ações criminais e 17 ações civis públicas contra ocupantes irregulares da Terra Indígena (TI) Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu, no Pará. Os alvos dos processos são ocupantes irregulares e invasores que utilizaram a área para criação e venda de gado ilegal, causando danos ambientais e prejuízos ao povo Parakanã, que habita o território. Nas ações civis, o MPF pede o pagamento de R$ 76,7 milhões, a título de ressarcimento dos ganhos financeiros obtidos com a comercialização do rebanho irregular e de indenizações por danos morais coletivos.
O MPF também expediu três recomendações para órgãos públicos e um frigorífico, com o objetivo de combater a exploração irregular de atividade agropecuária no território. Além disso, foram enviados ofícios aos frigoríficos que, em 2009, firmaram com o MPF os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) conhecidos como TAC da Carne ou TAC da Pecuária. Na ocasião, as empresas se comprometem a não comprarem gado criado em áreas de desmatamento ou envolvidas em outros tipos de ilegalidades socioambientais.
O conjunto de medidas é decorrente do relatório “Boi Pirata: a pecuária ilegal na Terra Indígena Apyterewa” elaborado pelo MPF a partir da análise de bases de dados relativas à cadeia de produção e comercialização de gados criados ou engordados ilegalmente na área. Foi constatado que 86 fazendas localizadas ilegalmente no território movimentaram entre 2012 e 2022 um total de 48.837 bovinos para 414 imóveis rurais, sendo que 47.265 foram destinados a fazendas que estão fora da terra indígena. Desses, 678 seguiram diretamente para o abate. O lucro com a atividade ilegal é estimado pelo MPF em R$130,9 milhões.
Toda essa movimentação de cabeças de gado está registrada em 1.095 Guias de Trânsito Animal, emitidas no sistema da Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará). Esse número, no entanto, está longe de mostrar a real proporção do problema, já que grande parte dos bovinos é movimentada na região sem qualquer registro, de maneira totalmente informal. Para o MPF, a atividade agropecuária é o principal vetor de desmatamento e de grilagem no território indígena.
Apesar de homologada em 2007, a TI Apyterewa é reconhecida como de posse tradicional do povo Parakanã desde 1992, sendo há 30 anos alvo de invasões. Segundo o Censo de 2022 do IBGE, foram identificadas 1.383 pessoas residentes na Apyterewa, das quais 767, ou 55,46%, são indígenas e 616, ou 44,54%, não pertencem à etnia. O desmatamento acumulado na área é o maior da Amazônia: 101.310,75 hectares de floresta derrubada, o que corresponde a 13,10% de sua área.
As ações – Nas 31 ações penais apresentadas à Justiça Federal, o MPF pede a condenação de 35 réus pelos crimes de invasão de terra pública (artigo 20 da Lei 4.947/1966) e exploração de atividade poluidora sem licença ou autorização de órgãos ambientais competentes (artigo 60 da Lei 9.605/1998). Além disso, outros casos ainda estão sob investigação.
Já as 17 ações civis públicas pedem que os réus sejam condenados a ressarcir os ganhos financeiros obtidos com a comercialização ilegal dos bovinos entre 2012 e 2022. O valor total cobrado pelo MPF é de R$ 56,6 milhões, que serão destinados à recuperação ambiental da área e a medidas de proteção territorial a serem adotadas, após o fim da operação de retirada dos invasores, com o apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Pelos danos morais causados a toda a sociedade, em decorrência da atividade ilícita, o MPF requer o pagamento de outros R$ 20,1 milhões a serem destinados aos Parakanã.
Outro pedido feito nas ações é a concessão de liminar para o bloqueio dos bens dos réus – como imóveis, maquinários, veículos – assim como de valores depositados em instituições bancárias, de forma a garantir o pagamento das indenizações. O MPF ainda está analisando a atividade do restante das 86 fazendas apontadas no relatório “Boi Pirata”, o que pode resultar no ajuizamento de novas ações civis semelhantes.
Recomendações e ofícios – Além das ações ajuizadas, o MPF expediu três recomendações, com o objetivo de combater a exploração irregular de atividade agropecuária na Terra Indígena Apyterewa. Em uma delas o MPF pede:
• ao Banco Central: suspensão do acesso a linhas de crédito concedidas com recursos públicos por instituições oficiais aos responsáveis por imóveis rurais sobrepostos à Terra Indígena Apyterewa, com emissão de comunicado a todas as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional;
• à Receita Federal e à Secretaria de Fazenda do Pará: suspensão de incentivos e benefícios fiscais federais e estaduais concedidos a esses mesmos responsáveis por imóveis rurais sobrepostos ao território indígena;
A outra recomendação foi enviada à Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará). Nela, o MPF requer que a agência cancele todos os registros de imóveis rurais sobrepostos à Terra Indígena Apyterewa, incluindo os 177 indicados no relatório “Boi Pirata”. Pede também que o órgão estadual bloqueie a emissão de Guias de Trânsito Animal que tenham esses imóveis como origem ou destino. Solicita, ainda, que a Adepará se abstenha de abrir novos registros de imóveis sobrepostos à terra indígena. Para o MPF, ao viabilizar a emissão desses documentos, o Estado do Pará fomenta o desmatamento, a grilagem de terras públicas e a pecuária irregular na região, em afronta aos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, de adotar medidas para combater o aquecimento global até 2030.
A terceira recomendação foi feita ao Frigorífico Valêncio, não signatário do TAC da Pecuária. O MPF quer que a empresa se abstenha de abater bovinos oriundos de fazendas que não comprovarem a regularidade socioambiental de sua cadeia de fornecedores. O objetivo é que eles se comprometam a não receber bovinos criados ou engordados ilegalmente em imóveis rurais sobrepostos à Terra Indígena Apyterewa.
O MPF enviou ainda ofícios aos frigoríficos signatários do TAC da Pecuária no estado do Pará, solicitando a adoção de todas as medidas necessárias para não abater bovinos oriundos de fazendas que não comprovem a regularidade socioambiental de sua cadeia de fornecedores. O ofício frisa o cuidado com o não recebimento de bovinos ilegalmente criados ou engordados em imóveis rurais sobrepostos à Terra Indígena Apyterewa, identificados no relatório “Boi Pirata”, sob pena de descumprimento dos termos dos TACs firmados.
Desintrusão – O MPF vem acompanhando, desde o dia 2 de outubro, a operação do Governo Federal para retirada de não indígenas dos territórios Apyterewa e Trincheira Bacajá, localizados no sudeste do Pará. A medida chamada “desintrusão” tem como propósito garantir o direito dos ocupantes tradicionais desses territórios. A ação é conduzida pela Secretaria Geral da Presidência da República, pelo Ministério dos Povos Indígenas, pela Funai), pela Força Nacional, entre outros órgãos.
A operação é resultado de pedido feito pelo MPF ao Supremo Tribunal Federal (STF), no final de 2021, para suspender decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que impedia a realização de operações para a retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa. A área de 773 mil hectares vem sofrendo com o aumento gradual no número de invasores, desde sua homologação, em 2007.
Entre 2011 e 2017, foram organizadas algumas operações para a retirada de não indígenas da área, que não obtiveram sucesso por razões diversas, como decisões judiciais e ações violentas de grileiros. Durante esse período, diversos processos foram ajuizadas na Justiça, na tentativa de interromper o processo de desintrusão. Como resultado, a Apyterewa foi a terra indígena com maior avanço do desmatamento nos dois últimos anos, relacionado à grilagem das terras e à pecuária extensiva.
Conforme dados do MapBiomas, a Apyterewa apresenta 91 mil hectares de áreas florestadas convertidas em pastagem. Atualmente, há 60 mil bovinos sendo criados ou engordados ilegalmente em sua área, de acordo com estimativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Adepará. Existem atualmente 177 imóveis rurais sobrepostos à Terra Indígena Apyterewa e registrados após sua homologação.
Fonte: MPF/PA