Um olhar profundo, com marcas de expressão no rosto e no corpo de anos de luta e resistência nas águas do rio Xingu. Uma anciã nascida no rio Curuá e criada no rio Iriri, carrega o sangue Curuaia por parte de mãe e Xipaya por parte de pai. Estamos falando de dona Maria Xipaya.
Casada com um homem branco, como ela costumava chamar o marido, dona Maria teve um casal de filhos. Uma pessoa que não sabe ler nem escrever, mas que nem por isso deixou de reconhecer a importância da educação escolar ao se mudar para a zona urbana de Altamira, em busca de formação para os filhos.
Foto: Ascom/PMA
Estudos sobre povos indígenas e as línguas tradicionais apontam que ‘Xipainha’, como carinhosamente é chamada, seria a última indígena a falar a língua original e se orgulha da sua história e de suas raízes. “Antigamente nós cantava, nós dançava, aí na dança indígena, eu tinha minhas roupas de indígena. Tinha de tudo, coca e tudo e graças a Deus eu tô aqui falando. E meu orgulho de estar falando da minha etnia curuaia”, conta com um leve sorriso no rosto.
O nome, como é conhecida por todos, chega a ser controverso ao relatar que nunca conheceu o pai e pouco sabe a respeito da etnia e da cultura Xipaya. “Não conheci meu pai e de Xipaya eu não sei de nada, mas de Curuaia eu sei porque fui criada com minha mãe e ela falava a língua, cantava e dançava”, relembra
Personagem assídua em eventos, palestras e rodas de conversa, dona Xipaya tem muito para contar, e se depender da disposição que ela tem, a veremos em tudo quanto é canto da cidade por longos anos ainda. “Eu não sei [de onde vem a disposição], só sei que graças a Deus eu tô muito sadia e não sinto nada de cansaço”, se gaba com a vitalidade de quando menina.
“A nossa cultura é uma cultura abençoada por Deus, nós temos muito prestígio. Quando eu vou a Brasília ou a Belém eu sou muito bem recebida pelas pessoas. E eu gosto muito de conversar e de abraçar e é muito bom agradar o povo”.
Foto: Ascom/PMA
Para o doutorando e professor e linguista Nelivaldo Cardoso Santana, os Povos Indígenas no Brasil passam por um período de resistência. “Aqui no Brasil, de modo geral, os povos indígenas têm resistido à manutenção de suas línguas através das contações de histórias orais dentro de seus territórios e, nas últimas décadas, fazendo registros escritos em documentário desse material”.
Nelivaldo destaca que o Povo Xipaya no Xingu possui estratégias para a manutenção e a revitalização da língua original. “Eles realizam atividades dentro dos territórios deles, como eles estão basicamente em dois lugares, na terra indígena Cachoeira Seca e na terra indígena Xipaya, eles realizam diferentes estratégias para manter essa língua. Eu tenho dito que a dona Maria é a falante de um Xipaya antigo, um Xipaya que deve ser valorizado nos produtos que os Xipayas fazem, e a manutenção dessa língua dará característica linguística do Médio Xingu. Nós temos 11 povos no médio Xingu que falam nove línguas dos diferentes troncos, do tronco Tupi, do Macro G e Pano. A manutenção dessas línguas e o povo Xipaia nesse contexto é de extrema relevância para nossa região”, relata ao pontuar a riqueza de línguas indígenas na região Xingu.
“Essa data de 19 de abril, que marca a celebração dos Povos Indígenas brasileiros, ela tem que servir para a gente possa fazer uma reflexão muito séria e profunda a respeito das violências que os Povos Indígenas vêm sofrendo ao longo da história de formação do Estado brasileiro, principalmente a invasão de das terras indígenas” finaliza.
A data é 19 de abril, apenas um dia para simbolizar a infinita importância dos povos indígenas. Foram eles os primeiros a ficarem pés no Brasil. São eles os verdadeiros descobridores do Brasil.
De milhões, hoje são reduzidos a pequena parcela espalhada por este País continental, por isso, poder celebrar as raízes é revisitar uma história que nunca terá fim, por mais que muito dela se tenha apagado.
Viva, dona Maria Xipaya, viva aos Povos do Brasil!
Por Antonio Luiz Ferreira – Ascom/PMA