Desde o início de março de 2021, as invasões no território indígena vêm se intensificando e uma série de atos de violência têm sido cometidos por ação de grupo em defesa do garimpo ilegal, sobretudo contra a Associação de Mulheres Munduruku Wakoborũn, que se opõe historicamente ao garimpo ilegal, vocalizando a posição já reafirmada em inúmeras oportunidades pelo povo Munduruku. Os atentados ocorrem no perímetro urbano de Jacareacanga, onde existe uma guarnição da Polícia Militar, mas as autoridades estaduais não foram capazes de evitar ou conter os ataques. Na última quarta-feira, um motor de barco da associação foi furtado pelos garimpeiros.
O pedido para que seja iniciada ação de intervenção federal junto ao STF é feito depois do terceiro ataque consecutivo, em menos de um mês, por grupo em defesa do garimpo, integrado por não indígenas e minoria indígena. No final de março, o grupo favorável ao garimpo tinha destruído a sede da associação, e no domingo passado roubou combustíveis e outro motor de barco das indígenas. Todos os três ataques ocorreram na zona urbana de Jacareacanga.
Descontrole da segurança pública – O MPF vê uma situação de descontrole da segurança pública – responsabilidade do estado do Pará – que justifica a intervenção federal. Pela Constituição brasileira, a intervenção pode ser solicitada pelo PGR ao STF para que a União assegure a observância dos direitos da pessoa humana (art. 34, VII, ‘b’), dentre os quais por exemplo a vida e a liberdade associativa, os quais se encontram severamente violados em Jacareacanga/PA diante da ineficácia da atuação do Estado do Pará, “notadamente com a finalidade de fazer cessar o projeto sistemático de ataque aos direitos humanos titularizados, individual e coletivamente, pelo povo Munduruku”. O pedido foi enviado nesta sexta-feira (23), pelos procuradores da República que atuam no Pará, em ofício ao procurador-geral da República, Augusto Aras.
O documento narra a “perpetração contínua de atentados e represálias contra membros da etnia Munduruku que não concordam com a exploração minerária ilegal em seu território, assim como em desfavor das entidades indígenas representativas da comunidade, promovidos por garimpeiros e indígenas pró-garimpo que pretendem – a todo custo – reprimir qualquer oposição às atividades ilícitas de mineração no território Munduruku, havendo registros em vídeos e imagens, os quais aportam a todo momento neste órgão ministerial, reveladores da permanente e grave violação de direitos humanos, sem que tenha havido qualquer intervenção estatal minimamente efetiva e eficiente para solucionar o conflito”.
O MPF já abriu quatro investigações sobre os ataques dos garimpeiros, a partir do envio, pelas lideranças Munduruku, de denúncias e comunicados sobre a situação. Apesar do conflito com os garimpeiros já existir há alguns anos, “os últimos dias representaram inequívoca ruptura da dinâmica desafortunadamente estabelecida, o que revela inclusive a pretensão de instituição de ilegítimo Estado paralelo timonado por um grupo de pessoas caracterizado originalmente pela prática de crimes ambientais e, agora, por crimes de natureza profusa e diversa”, diz o ofício enviado ao PGR.
Para os procuradores da República que acompanham a escalada de violência na região de Jacareacanga, “a partir de 2019 especialmente, a gradual implantação de um programa estratégico de omissão por parte dos órgãos estatais quanto à tutela do meio ambiente e dos direitos tradicionais, notada e marcadamente a partir da instituição de uma antipolítica ambiental por parte do Poder Executivo Federal, provocou franco recrudescimento no contexto de violência”.
Imagens da violação em série de direitos:
Na primeira quinzena de março de 2021 foi identificada a chegada de maquinário pesado em território Munduruku em Jacareacanga, avançando pelo igarapé Baunilha em direção à bacia do rio Cururu, uma das bacias hidrográficas fundamentais para a garantia da vida indígena na região. Na região foi filmado um helicóptero suspeito de escoltar os criminosos. Filmagem feita em 19/03/21 mostra pessoas armadas impedindo grupo indígena de desembarcar na área. O grupo que impede o desembarque é formado por garimpeiros ilegais e por uma minoria indígena aliciada pelos garimpeiros ilegais.
Em 25/03/21 o grupo pró-garimpo atacou a sede Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, na zona urbana de Jacareacanga. A associação é contrária à mineração ilegal e o prédio da associação é de uso coletivo com outras organizações indígenas antigarimpo. Os vândalos destruíram a fachada e móveis do prédio, e colocaram fogo em documentos e outros materiais da associação. Em 11/04/21 o grupo de garimpeiros e representantes de uma minoria Munduruku aliciada por garimpeiros impediu que uma viatura do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entrasse em Jacareacanga. A viatura fazia fiscalização contra a mineração ilegal em Floresta Nacional e Área de Preservação Ambiental na região. Em 18/04/21, novamente na zona urbana de Jacareacanga, o grupo pró-garimpo roubou mais de 830 litros de combustível e um motor de barco pertencentes à Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn.
Apesar de no dia anterior o MPF ter divulgado que os roubos poderiam voltar a ocorrer, em 21/04/21, também na zona urbana de Jacareacanga, o grupo pró-garimpo roubou mais um motor de barco da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn.
Ainda no dia 21/04/21 foi registrado outro roubo de motor de barco de liderança indígena antigarimpo. Desta vez o crime ocorreu em terra indígena.