O Ministério Público Federal (MPF) emitiu recomendação para que sejam tomadas medidas de proteção urgentes em relação ao sítio arqueológico com mais de 50 mil vestígios e artefatos arqueológicos descoberto em 2021, às margens do rio Tapajós, durante as obras de um novo porto de grãos em Rurópolis, oeste do Pará.
Entre peças encontradas: cerâmicas, líticas, vestígios faunísticos e amostras de carvão para datação, onde também foram encontrados três áreas de sepultamentos do povo Munduruku. O sítio arqueológico foi batizado de Santarenzinho.
A principal medida recomendada é a suspensão imediata de intervenções na área do sítio ou nas proximidades, que possam afetá-lo. Um laudo da perícia técnica do MPF concluiu que “a quantidade de material cerâmico e lítico em superfície no sítio arqueológico Santarenzinho é extremamente expressiva e que raros são os locais na Amazônia com tanto material lítico em superfície e de tão boa qualidade”.
De acordo com o MPF, as 50 mil peças encontradas até agora representam uma fração minúscula do que se espera encontrar no sítio todo, que deve ter milhões de vestígios a serem catalogados.
O material lítico é todo aquele feito de rochas e minerais pelos povos que já habitavam a região amazônica no passado. Ele tem grande importância arqueológica porque fica mais preservado, permitindo a interpretação sobre a maneira como viviam os ancestrais dos povos amazônicos atuais. A presença do carvão, que guarda informações físicas e químicas do local, permite fazer a datação, cálculo do tempo que o sítio arqueológico existe, abrindo uma janela para períodos anteriores da vida da região.
A área do sítio Santarenzinho, às margens do Tapajós, é de ocupação histórica e contínua de povos indígenas, inclusive em período pré-colonial. Por esse motivo, a perícia do MPF acompanhou visita de representantes do povo Munduruku ao sítio, com a presença de um pajé que identificou o local como área sagrada, de onde não devem ser removidos os remanescentes humanos pelo risco de danos irreparáveis ao povo indígena pela violação de sua relação com os espíritos dos antepassados.
De acordo com a legislação nacional e internacional, os povos indígenas têm direito à consulta prévia, livre e informada para qualquer obra que afete seus locais sagrados.
O povo Munduruku tem um protocolo de consulta, que define como deve se dar um processo de consulta desse tipo e, pelo protocolo, qualquer decisão só pode ser tomada com a aprovação de todos os representantes das mais de 115 aldeias das regiões do médio e alto Tapajós, em assembleia geral.
Está prevista uma assembleia do povo Munduruku para o segundo semestre de 2022 e o MPF recomendou que nenhuma licença ou parecer seja emitido até que esse protocolo de consulta seja obedecido, conforme o previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, tratado que protege os direitos de povos indígenas e do qual o Brasil é signatário.
O porto é de propriedade da empresa de transportes Bertolini e está em processo de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas). A empresa solicitou vistorias à Semas e também ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável também pela salvaguarda do patrimônio arqueológico brasileiro. O MPF recomendou à Bertolini, à Semas e ao Iphan que garantam imediatamente a proteção ao sítio de Santarenzinho.
O MPF entende ainda que, como órgão indigenista oficial e entidade envolvida em processos de licenciamento ambiental para promoção e proteção dos direitos indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai) deve se manifestar sobre as obras do porto da Bertolini antes que qualquer licença seja emitida.
Munduruku têm assembleia prevista para o segundo semestre de 2022 — Foto: Anderson Barbosa/Greenpeace
O que foi recomendado
À empresa de transportes Bertolini, o MPF recomendou que paralise qualquer intervenção no sítio de Santarenzinho ou na estação de transbordo de cargas Rurópolis que possa afetar o local, mesmo que seja através das empresas contratadas para fazer os estudos, a Ambientare e a Zanettini Arqueologia, até que seja concluído processo de consulta prévia, livre e informada ao povo Munduruku, conforme disposto no artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT e nos moldes previstos no Protocolo de Consulta Munduruku.
A Bertolini também deve tomar providências imediatas de segurança para proteger o local dos sepultamentos encontrados no sítio arqueológico, com escala de segurança no local, durante 24 horas por dia, sobretudo para monitorar e controlar a entrada e saída de pessoas. Há notícias de tentativas de invasão na área.
À Semas, o MPF recomendou que se abstenha de emitir qualquer tipo de licença para o porto antes da realização da consulta prévia, livre e informada do povo Munduruku. A Semas também deve assegurar a manifestação de anuência da Funai, antes de emitir qualquer licença.
Ao Iphan, o MPF recomendou que se abstenha de “emitir parecer favorável ou qualquer decisão que determine a exumação dos remanescentes humanos encontrados no sítio arqueológico Santarenzinho, até que seja realizada consulta prévia, livre e informada ao povo indígena Munduruku, conforme disposto no artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT e nos moldes previstos no Protocolo de Consulta Munduruku”.
O Iphan também deve adotar medidas para proteger os sepultamentos e os materiais arqueológicos encontrados no local e respeitar qualquer deliberação da consulta ao povo Munduruku. Por fim, o Iphan deve fazer análise técnica para o tombamento da área do sítio arqueológico Santarenzinho.
Todos os recomendados têm dez dias de prazo para responder a recomendação do MPF.
O g1 tenta contato com a Bertolini, Semas e Iphan.
Fonte: G1 Santarém