Em 2019, ano em que é publicado o primeiro decreto pela Presidência da República para flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, 1.058 cidadãos solicitaram o registro. No ano seguinte, esse número passa para 4.963.
Números da Polícia Federal (PF) disponibilizados via Lei de Acesso à Informação (LAI) apontam que, entre os anos de 2009 e 2020, o Pará alcançou o preocupante número de 16 mil armas de fogo registradas em todo o Estado, o maior quantitativo de toda a região Norte para o período, e o 11º do ranking nacional. A Superintendência Regional (SR/PA) do órgão revela um dado ainda mais impressionante: 9.078 desses registros, a maioria para civis, foram realizados somente nos últimos dois anos e três meses, coincidindo com a vigência de decretos presidenciais que facilitaram o acesso ao armamento.
Com isso, é possível afirmar que hoje há entre 150 a 300 unidades de armamento para cada 100 mil paraenses. Conforme relatório do Fórum de Segurança Pública, em 2020 houve aumento do número de homicídios com o uso de arma de fogo por motivo banal em todo o Brasil.
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Ainda segundo a PF, hoje há 1,1 milhão de armas de fogo registradas em todo o território nacional, com uma média de 378 registros de armamento para civis por dia. Ainda no ano passado, com aumento de 90%, houve um recorde de 180 mil novos registros em um único ano, maior série histórica do sistema do órgão. Para além disso ainda há a incontável quantia de armas que circulam ilegalmente, o que é possível atestar nas constantes apreensões realizadas pelas polícias estaduais e federais.
O advogado criminalista, sociólogo e estudioso da Segurança Pública, Henrique Saúma, entende como indissociável a esse cenário os decretos presidenciais, editados desde 2019, que trouxeram novas regras para o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) – entre elas a ‘estica’ do prazo de validade do registro da arma de cinco para dez anos, o afastamento do controle do Exército sobre a aquisição e o registro de alguns armamentos e equipamentos e a que permite o porte simultâneo de até duas armas de fogo por cidadão. Os mais recentessão de abril deste ano.
“É óbvio que a bancada ou base de apoio do presidente da República tem policiais militares, membros das Forças Armadas, caçadores, colecionadores de armas, bancadas ruralistas, funcionários públicos e profissionais liberais, e eles passam a ter acesso facilitado aos armamentos. Vejo isso como faca de dois gumes, já que ter registro não significa ter preparo para o uso”, analisa. “Então teremos um contingente maior de civis armados legalmente, o que pode provocar morte banal em discussão de trânsito, por exemplo, ou em casa, crianças podem ter acesso e causar um acidente sem querer, como ocorreu em Ananindeua há poucas semanas, quando um garoto de dez anos morreu ao disparar acidentalmente a arma que era do pai [pertencente ao Exército]”, exemplifica o especialista.
Os números da PF no Pará batem com a análise de Saúma. Em 2019, ano em que é publicado o primeiro decreto pela Presidência da República para flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, 1.058 cidadãos solicitaram o registro. No ano seguinte, esse número aumenta quase cinco vezes: passa para 4.963. E só no primeiro trimestre de 2021 já foram 1.544 solicitações, superior ao que se tinha em um único ano, há menos de dois anos. E, novamente, estamos falando apenas de pedidos para civis, cidadãos comuns.
Entre 2019 e 2020, os registros com iniciativa de servidores públicos com porte por prerrogativa de função pularam de 192 para 913, um aumento de quase 500%. “No sul e sudeste do Pará, ao redor de Tucuruí, e também Região Metropolitana, percebemos grande demanda reprimida por acesso a arma de fogo”, complementa.
Henrique Saúma protagoniza como grande fator de risco a ausência de preparo técnico e emocional da maioria desses solicitantes. “Infelizmente, na semana passada, vimos uma situação muito triste de um policial militar, ou seja, alguém com preparo para usar uma arma, que acabou assassinado em uma situação de latrocínio. A favor de quem comete o roubo há sempre o elemento surpresa, e com isso quem está armado pode acabar tendo a arma subtraída – e aí aumenta o número de equipamentos em uso pela criminalidade -, ou mesmo ser vítima dela”, pondera
O sociólogo defende políticas públicas de prevenção e de segurança como muito mais eficazes do que o armamento da população. “Em vez de armar as pessoas, é mais válido o investimento em inteligência, tecnologia, condições melhores de moradia para quem está em áreas de vulnerabilidade, em especial nos bolsões dominados por narcomilícias”, sugere, citando o programa Territórios pela Paz como um exemplo de política pública de inclusão que dá certo e merece ser replicada.
“Entendo que programas como o TerPaz, reordenamento urbano, investimentos em equipamentos públicos e políticas de cidadania ajudarão a transformar este cenário de dominação e medo de áreas vulneráveis”, reforça o estudioso em Segurança Pública.
POSSE E PORTE
O direito à posse é a autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho (desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento). Para andar com a arma na rua, é preciso ter direito ao porte, cujas regras são mais rigorosas e até hoje não foram tratadas em decretos.
Projeto prevê redução de valor da taxa de porte de arma
Tramita na Câmara Federal o projeto de lei 556/21, de autoria do deputado federal Vitor Hugo (PSL-GO), que quer reduzir de R$ 1 mil para R$ 100 o valor da taxa de porte de arma para o cidadão comum, além de atualizar outras taxas previstas no Estatuto do Desarmamento para registro, renovação de certificado e expedição de porte de armas de fogo. O texto está parado, desde 27 de abril, na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado(CSPCCO) da casa.
Considerando os valores vigentes, a proposta aumenta a taxa para registro de arma de fogo, dos atuais R$ 60 para R$ 100, e reduz todas as demais no caso de pessoas físicas e empresas de segurança privada e transporte de valores.
Para pessoa física, a expedição de porte de arma de fogo baixará de R$ 1 mil para R$ 100. Serão gratuitas as renovações do certificado de registro de arma de fogo (R$ 60 vigentes) e do porte de arma de fogo (hoje R$ 1.000), bem como as segundas vias de certificado de registro e de porte, atualmente R$ 60 cada.
No caso das empresas de segurança e transporte de valores, o registro de arma de fogo cairá dos atuais R$ 60 para R$ 10 a unidade. A renovação do certificado de registro de arma de fogo, também R$ 60 por unidade hoje, será gratuita.
Fonte: DOL