Povos tradicionais da Terra Indígena Trincheira Bacajá, no Pará, se reuniram para definir pautas de reivindicação relacionadas à usina hidrelétrica Belo Monte, que ainda não foram cumpridas. A reunião foi marcada por tensão e protestos dos indígenas, que não deixaram os representantes do empreendimento deixarem o local até a quinta-feira (17).
Entre as reclamações apresentadas pelas lideranças indígenas durante o encontro com reunião realizadas de terça (15) a quinta-feira (17) estão as péssimas condições das estradas que dão acesso às aldeias, além das várias pontes danificadas. As demandas fazem parte do Plano Básico Ambiental da usina e que não estariam sendo cumpridas.
Os técnicos que prestam serviço para a usina afirmam terem sido impedidos de sair da reunião por dois dias até que os indígenas recebessem um posicionamento. A Norte Energia, concessionária responsável pela usina, informou que registrou Boletim de Ocorrência Policial na Polícia Federal. O g1 procurou a PF e aguarda retorno.
Os indígenas negam que os funcionários da empresa sofreram qualquer tipo de ameaça ou agressão, e que foram submetidos a cárcere privado ou constrangimento. Também procurada, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que esteve com representantes nas reuniões, não confirma se houve cárcere privado.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) diz que “tem cobrado com frequência o empreendedor sobre as condicionantes a serem cumpridas e situações que podem ser melhoradas para que a população da região não seja prejudicada”.
Segundo a Funai, os indígenas estão preocupados com impactos ambientais no rio Bacajá e o não cumprimento do plano ambiental.
Em nota, o órgão indigenista i informou ainda que “reuniões de subcomitês foram conduzidas para ouvir a percepção dos indígenas sobre medidas de mitigação, compensação e controle ambiental. Os pontos discutidos serão documentados e respondidos pelas partes envolvidas”.
Segundo a Norte Energia, após três dias de reuniões, os indígenas liberaram os funcionários da Norte Energia.
Em nota, a empresa alegou que os servidores foram “mantidos, desde terça-feira (15) em cárcere privado […] como forma de os indígenas exercerem pressão para que a companhia atenda às reivindicações.”
Situação semelhante ocorreu em julho de 2022, quando funcionários da empresa foram impedidos de sair diante das reclamações dos indígenas da região que já duram anos.
Reunião
A T.I. Trincheira Bacajá faz parte do território dos municípios de Anapu, Senador José Porfírio e São Félix do Xingu, no sudoeste do estado.
Durante a reunião, convocada pelos indígenas de 37 aldeias que fazem da Trincheira Bacajá, estavam representantes gestores da Funai, Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF) e da Norte Energia — concessionária responsável pela usina.
O encontro ocorreu na aldeia Kenkudjôy para discutir, principalmente, o monitoramento do rio Bacajá, que passa em boa parte da área indígena.
“Também não tem como navegar, porque está muito seco. No inverno está seco, e no verão ainda mais”, pontuou o indígena Kapot Xikrin sobre as condições de navegação no rio Bacajá, que deságua na Volta Grande Xingu, próximo à usina.
Os indígenas alegam que a área secou devido à formação do reservatório da Belo Monte. Com isso a navegação, a pesca e até a qualidade da água estão prejudicadas.
Com a seca do rio Bacajá, os povos apontam que o lençol freático da Terra Indígena foi prejudicado, afetando também os poços instalados nas aldeias. Os indígenas também denunciaram a falta de manutenção nas caixas d’água instaladas pela concessionária.
“A gente tem essa dificuldade de ir até mesmo à cidade. A água está mais quente, e os peixes já morreram muitos”, relatou Takakjakare Xikrin.
Ao final da reunião foi informado que um novo encontro deverá acontecer em Altamira, distante cerca de 300 km da T.I., com ministros e autoridades de órgãos competentes. A previsão é que uma reunião também ocorra em Brasília, no Distrito Federal.
Preocupação ambiental
Em nota, os Indígenas representados pela Associação Bebô Xikrin do Bacajá e a Associação Indígena Berê Xikrin Da Ti Bacajá negaram que os funcionários da empresa sofreram qualquer tipo de ameaça ou agressão, e que tampouco foram submetidos à cárcere privado ou constrangimento.
O posicionamento também destacou que os indígenas permanecem em estado de preocupação e agitação diante das agressões contínuas ao meio ambiente que teriam sido provocadas pela empresa e diante da deterioração das expectativas de recebimento das compensações financeiras prometidas pela concessionária e do descumprimento das obrigações ambientais impostas pelos órgãos ambientais.
Os representantes ainda afirmaram que as comunidades indígenas Xikrin da T.I. Trincheira Bacajá vem sofrendo sérios prejuízos em seu habitat natural.
O que diz a Norte Enegia
Em nota, a Norte Energia informou que “respeita o direito de manifestação e liberdade de expressão, mas não compactua com a violência e repudia veementemente a situação a que seus funcionários foram submetidos. Informou ainda que, em casos como esse, de retenção de colaboradores, equipamentos ou materiais nas áreas indígenas atendidas pela UHE Belo Monte, a Empresa não estabelece qualquer tipo de negociação”.
Sobre as reivindicações, a empresa informou que quanto ao serviço de manutenção de estradas, em setembro do ano passado, foi feito levantamento em conjunto com as aldeias, Funai e DSEI, resultando na contratação e execução pela Companhia de serviços de recuperação de estrada em diversos trechos da Terra Indígena Trincheira Bacajá. No momento há previsão da recuperação de quatro pontes.
Em relação ao abastecimento de água, a Norte Energia possui contrato com uma empresa para perfurar novos poços e revitalizar outros. No entanto, a dinâmica no surgimento de novas aldeias impacta na capacidade da execução do serviço.
Por Juliana Bessa; Jonas Ribeiro, g1 Pará / TV Liberal – Belém