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Operação no Pará leva explosivos para destruir máquinas na área estadual mais desmatada da Amazônia

Pressionada pelo garimpo ilegal e criação de gado, APA Triunfo do Xingu fica no município com maior rebanho bovino do país e é alvo da operação 'Curupira' de combate a crimes contra o meio ambiente. Decreto no Pará deixa 15 municípios sob emergência ambiental.

Operação 'Curupira' mira crimes ambientais dentro da APA Triunfo do Xingu, a área de preservação estadual mais desmatada da Amazônia. — Foto: Taymã Carneiro / g1
Operação 'Curupira' mira crimes ambientais dentro da APA Triunfo do Xingu, a área de preservação estadual mais desmatada da Amazônia. — Foto: Taymã Carneiro / g1
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O governo do Pará realiza a instalação de bases fixas de operações com forças de segurança pública e agentes ambientais na Unidade de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, em São Félix do Xingu, município do sudeste do estado com o maior rebanho bovino do país (2,5 milhões de cabeças). A área de conservação estadual é a mais pressionada pelo desmatamento da Amazônia, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O g1 acompanhou a operação com exclusividade.

E o diferencial nesta atuação estadual contra o desmatamento, iniciada na quarta-feira (15), agora está na possibilidade de destruição de maquinários usados para crimes ambientais, como prevê o artigo 111º do decreto federal da Lei de Crimes Ambientais.

Além disso, haverá presença permanente de agentes do Estado nas áreas de fiscalização. Os números da ação ainda não tinham sido divulgados até esta sexta-feira (17).

“O uso das pás carregadeiras hidráulicas torna o poder de ação do garimpo ilegal infinitamente maior que o do ‘garimpo manual’. A logística da introdução desses maquinários é complexa, sendo inviável a retirada, então a inutilização do equipamento é decisiva para se buscar efetividade no combate ao crime ambiental, e o Estado passa a trabalhar com foco nisso”, anuncia o secretário adjunto Operacional da Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup), Luciano de Oliveira.

Entre outubro e dezembro de 2022, foram identificados pelo Imazon 38 focos de destruição somente na APA, que também é a área de proteção mais desmatada neste ano: 431 quilômetros quadrados.

A origem da pressão está na abertura de novos pastos para criação de gado, além do cultivo de grãos, extração de madeira e ainda a presença do garimpo ilegal.

Especialista ouvido pelo g1 aponta que a região tem presença histórica do garimpo ligado ao narcotráfico – leia mais abaixo.

A APA Triunfo do Xingu, portanto, é o primeiro alvo da operação denominada “Curupira“, com a instalação de três bases da fiscalização, que devem dar apoio às ações. A operação deve seguir por tempo indeterminado, segundo o governo.

Em campo

São Félix do Xingu fica distante 1.000 km da capital Belém. O município tem o dobro da área do estado do Rio de Janeiro e abriga 65% do território da APA, cuja área total é de 16,7 mil quilômetros quadrados de extensão – onze vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Os 35% da APA ficam dentro de Altamira, maior município do Brasil com 160 mil km².

As viaturas dos órgãos integrados do governo saíram em comboio na quarta-feira do 36º Batalhão da Polícia Militar, no centro de São Félix, até a APA. A travessia é feita por uma balsa.

Balsa faz travessia da sede de São Félix do Xingu para área de proteção estadual. — Foto: Taymã Carneiro / g1
Balsa faz travessia da sede de São Félix do Xingu para área de proteção estadual. — Foto: Taymã Carneiro / g1

Uma barreira de fiscalização foi montada estrategicamente em um ponto da via Trans-Iriri, no principal acesso à balsa Santa Rosa, já dentro da área de proteção. Outra parte da equipe seguiu na localização dos focos de desmatamento.

Nos primeiros momentos da instalação da barreira, um caminhão foi retido ao tentar sair da APA com cerca de 35 cabeças de gado. A carga estava sem nota fiscal, o que já é uma irregularidade, além de indícios de que seria produto de áreas embargadas.

Horas após da retenção, o proprietário da fazenda onde o gado tinha origem foi ao local e apresentou a nota. A carga foi liberada em seguida e não houve autuação, de acordo com a Segup.

A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará informou que o objetivo é que os produtores que estiverem tiverem regularizados, com Cadastro Ambiental Rural (CAR), e atuam em áreas sem embargo, continuem comercializando seus produtos. Por outro lado, quem estiver irregular deve enfrentar dificuldades.

Motorista transportava gado dentro de área de proteção sem nota fiscal no Pará. — Foto: Taymã Carneiro / g1
Motorista transportava gado dentro de área de proteção sem nota fiscal no Pará. — Foto: Taymã Carneiro / g1

A Trans-Iriri foi aberta por garimpeiros que começaram a explorar a APA e tem com extensão de quase 200 quilômetros até o limite com o município de Altamira.

Atualmente, a estrada de chão batido é a principal via terrestre para escoamento dos produtos para fora da área de proteção, que é uma unidade onde é permitido uso sustentável.

Em junho de 2021, a Câmara de São Félix do Xingu concedeu utilidade pública à Associação dos Produtores Rurais, Empresários, Garimpeiros e demais Usuários da Estrada Trans-Iriri (Apreguet).

Associação tem posto de arrecadação em estrada aberta pelo garimpo na APA Triunfo do Xingu. — Foto: Taymã Carneiro / g1
Associação tem posto de arrecadação em estrada aberta pelo garimpo na APA Triunfo do Xingu. — Foto: Taymã Carneiro / g1

A associação passou então a atuar com posto de arrecadação, cobrando pedágios a transportadores dos produtos extraídos na região, com intuito de efetuar reparos na estrada.

Os responsáveis pelo posto não quiseram dar entrevista.

Posto de arrecadação na Trans-Iriri, na APA Triunfo do Xingu, no Pará. — Foto: Taymã Carneiro / g1
Posto de arrecadação na Trans-Iriri, na APA Triunfo do Xingu, no Pará. — Foto: Taymã Carneiro / g1

“A escolha deste local é estratégico porque aqui é a entrada de produtos, como agrotóxicos e insumos, como também é saída de madeira e gado”, explica o coordenador de fiscalização ambiental da Semas, Tobias Brancher.

Além da barreira, Brancher avalia que a permanência efetiva das equipes é o principal “diferencial na operação”.

“Enquanto uma equipe faz a incursão nos focos de desmatamento, outra atua nesta barreira para fiscalizar as cargas. A questão da permanência nestes pontos, trocando as equipes, vai provocar a dissuasão dos ilícitos ambientais nessa região”.

Na barreira, garimpeiros que passavam pelo local foram abordados.

Segundo confirmado pelo g1, em quase 30 fases da Operação “Amazônia Viva” do governo estadual foram encontrados 275 maquinários usados para crimes ambientais, mas muitos deles voltaram a ser utilizados, logo após a saída das equipes de fiscalização com o término das ações.

Desta vez, o uso explosivos deve ser considerado e serão administrados pela equipe de explosivistas da Polícia Militar, em caso de necessidade.

A investida ocorre em meio ao decreto estadual de emergência ambiental, após sistemas de monitoramento apontarem que 15 municípios concentraram 75% do desmatamento no Pará entre 2019 e 2022.

Recentemente, a Semas identificou na APA Triunfo do Xingu dezenas de focos de desmatamento entre 21 de janeiro até a última segunda-feira (13). O principal objetivo agora é reduzi-los.

Pressão do garimpo

Encontro das águas dos rios Fresco e Xingu em São Félix (PA). — Foto: Taymã Carneiro / g1
Encontro das águas dos rios Fresco e Xingu em São Félix (PA). — Foto: Taymã Carneiro / g1

São Félix do Xingu é banhado por dois rios, o Fresco e o Xingu, que configuram umas das cenas características do local: o encontro de águas – uma mais barrenta e outra mais escura. Um deles se tornou impróprio por conta do garimpo.

“O rio Fresco tinha água cristalina lá no início dos anos 1980, mas com o avanço do garimpo isso acabou. Antes o povo tomava banho, era a água que abastecia a cidade e agora não dá mais por causa da poluição”, afirma um morador, que preferiu não se identificar.

Um agricultor que afirma ter atuado como garimpeiro por dez anos, no chamado “garimpo manual”, vê a destruição do meio ambiente diretamente ligada ao avanço de maquinários, popularmente denominados como “PC”, em referência às pás carregadeiras.

“O garimpo era um sucesso há duas décadas, e ainda funciona, continua sendo ‘ganha pão’ de muita gente. Mas hoje eu sou contra. O que a gente levava 60 dias, essas ‘PC’ levam uma, duas horas pra fazer, acabando com os rios“.

O ex-garimpeiro agora vive da roça em uma terra titulada que recebeu do governo. O principal produto que comercializa é o cacau, segundo ele.

Outro colono, que vive na APA, afirma que já recebeu multa ambiental de R$15 mil por causa do desmatamento. Ele alegou que abriu nova área de pasto e que nunca conseguirá pagar o valor da multa.

Desafios da floresta em pé

Área de garimpo no sudeste do Pará avistada durante sobrevoo no dia 16/02/2023. — Foto: Taymã Carneiro / g1
Área de garimpo no sudeste do Pará avistada durante sobrevoo no dia 16/02/2023. — Foto: Taymã Carneiro / g1

Tarcísio Feitosa, pesquisador socioambiental desde 1988 e ganhador do prêmio GoldmanPrize (considerado o prêmio Nobel do meio ambiente), explica que “o garimpo é um problema social, e não só ambiental”.

“Há todo um sistema de investimento pesado, que envolve lavagem de dinheiro, narcotráfico, todo dinheiro podre está envolvido na questão do garimpo na Amazônia”.

O especialista afirma que “não adianta só queimar equipamentos, mas sim chegar até a fonte que financia o consórcio criminoso”.

“O garimpo ilegal extrapola a criminologia ambiental, pois não há mais uma associação criminosa, e sim um consórcio de associações. Tem político apoiando, tem dinheiro ilícito entrando na cadeia, o trabalho escravo ou de profundo risco, por isso tem que se alcançar desde quem comercializa, passando por quem transporta e principalmente a quem financia”.

Feitosa defende que, em paralelo às investigações e ações de fiscalização, é preciso ação visando a “mudança de rota da economia da Amazônia”.

“Não cabe mais ser pela destruição da floresta, observando as metas na questão das mudanças climáticas, e também das condições dos direitos humanos, é essencial sair com a operação de combate ao garimpo e gerar emprego na mesma velocidade, no mesmo volume e dedicação. É uma ação pela outra”.

“É preciso que nessa região da APA do Xingu se instale a economia da reconstrução florestal, com técnica, formação e capacitação, implantação da isenção fiscal, apoio e inserção de novas tecnologias, envolvendo políticas claras entre Município, Estado e União por um sistema único da economia da floresta em pé”.

Fonte: G1 Pará

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