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Usina de Belo Monte completa 10 anos; veja os impactos da construção para a região do Xingu

Hidrelétrica alterou costumes, rotina, ambiente e pretensões dos moradores da Volta Grande do Xingu

Foto: Divulgação/Norte Energia
Foto: Divulgação/Norte Energia
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Depois de mais de 35 anos de negociações e estudos, em junho de 2011, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitiu a Licença de Instalação que permitiu à Norte Energia o início das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Imediatamente, os serviços foram iniciados, transformando a vida na região da Volta Grande do Xingu. Dos municípios que compõem a chamada Área de Influência Direta (AID) – Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e Altamira – o último foi o que mais sentiu os impactos da construção do grande projeto, por sempre ter sido um município-polo da região e a cidade que mais acolheu as pessoas que vieram trabalhar nas obras.

Ao andar pelas ruas de Altamira, é difícil encontrar alguém que não teve sua vida transformada na última década pela existência da obra que se orgulha em ser “a maior usina hidrelétrica 100% brasileira”. Os mais diversos sotaques compõem a fala dos atuais habitantes do município. Atendentes de farmácia, frentistas, fotógrafos, bancários e, claro, funcionários do setor de energia foram alguns dos que passaram a se considerar altamirenses nos últimos anos, já que ficaram na cidade por conta das obras em Belo Monte.

“Tu ias em uma festa e não conhecia mais ninguém. Todo mundo novo”, comenta Wilson Rodrigues, que mora há 50 anos na cidade e assistiu ao crescimento da população durante a construção do grande empreendimento e o esvaziamento que se seguiu nos anos seguintes, ainda que nada tenha permanecido como era antes. No último censo de 2010, a população de Altamira era de 99.075 pessoas.

De acordo com a Norte Energia, o maior crescimento populacional da cidade ocorreu em dezembro de 2014, quando atingiu a marca de 140.808 habitantes. Em junho de 2015, este contingente começou a cair, coincidindo com o período de finalização das obras civis de Belo Monte, quando teve início o primeiro grande processo de desmobilização de trabalhadores. Hoje, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que esse número tenha chegado a 117.320, um aumento de 18,4% em relação ao período anterior às obras. Com toda essa evidência, a cidade que antes era conhecida pela agricultura, passou a enfrentar os dilemas inerentes à escolha como sítio de obras de um dos maiores empreendimentos do país.

(Roney Santana / Acervo Norte Energia)

“Olha, aqui saiu até na TV, na época da construção de Belo Monte, que era a cidade mais violenta do Brasil, mas eu não acho, não”, diz o estivador Carlos Santos, de 48 anos, mais conhecido como Roberto, homem que saiu do bairro da Sacramenta, em Belém, para tentar a vida em Altamira há exatos dez anos. Na capital, ele deixou uma ex-mulher e dois filhos, e hoje a família aumentou, com a adição de uma nova esposa e um filho de dois anos, altamirense. Quando chegou à região do Xingu, ele trabalhou com entrega de comida para os operários que erguiam a usina.

“A gente fazia a entrega em todos os campos de trabalho: no Belo Monte mesmo, que é a principal, e no Pimental. Era uma área muito grande que entregamos. Lá, precisava de muita gente”, explica.

Quando a construção acabou, ele decidiu permanecer na cidade por ter se encantado com a vida às margens do Rio Xingu. “Lá em Belém tem mais violência. Aqui a vida está tranquila. Na época, tinha muito emprego, eu ganhava bem. Agora parou um pouco, mas ainda está melhor que Belém, para mim”, diz o homem, que havia acabado de fisgar um gordo tucunaré, pescando no começo da manhã na orla da cidade.

Carlos é morador da região (Igor Mota / O Liberal)

Além dos novos moradores, a usina também impactou a vida dos que nasceram e viviam em Altamira. Natália Nascimento, engenheira ambiental formada pela Universidade do Estado do Pará (Uepa) que trabalha na área de projetos socioambientais da empresa que gerencia o empreendimento, diz que não consegue mais imaginar a cidade sem as mudanças trazidas por Belo Monte. Ela começou na Norte Energia em 2015, ainda como estagiária e, no ano seguinte, passou a integrar o quadro efetivo de funcionários.

“O que mudou aqui foi oportunidade de emprego. Vários colegas que estudaram comigo conseguiram trabalhar em diversos projetos. Além da mudança estrutural da cidade, teve mudança na qualidade de vida mesmo”, conta a jovem, que reforça como a evolução nos serviços da cidade foi o ponto mais importante para ela, que começava sua vida profissional. “Aqui na região, nós não temos muitas oportunidades de curso e não temos um campus de universidade tão estruturado, então, a faculdade não consegue trazer todas as oportunidades profissionais que existem no mercado na região. Trabalhar aqui ajudou a desenvolver competências e habilidades”, comenta Natália.

Natália Nascimento é engenheira ambiental formada pela Universidade do Estado do Pará (Igor Mota / O Liberal)

Rios do Pará geram energia para todo o país

Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no Brasil, 67% da energia gerada no país em 2021 e 62,48% da potência instalada vêm de usinas movidas pela força dos rios. O país tem 739 centrais geradoras hidrelétricas e operação, 425 pequenas centrais hidrelétricas e 219 usinas hidrelétricas, que são responsáveis por 109,3 gigawatts (GW) de capacidade instalada em operação. Três das usinas no país estão entre as dez maiores do planeta, sendo elas Itaipu (binacional, com capacidade de 14.000 MW, divididos entre Brasil e Paraguai), Belo Monte (11.233 MW) e Tucuruí (8.370 MW). Em 2020, a energia gerada no Brasil a partir de fonte hidráulica foi de 415.483 gigawatts-hora (GWh).

Etapa da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (Betto Silva / Acervo Norte Energia)

O título de maior hidrelétrica 100% nacional fez com que Belo Monte estivesse no centro das expectativas não apenas dos paraenses, mas dos brasileiros em geral, sobretudo, em um período de crise enérgica e aumentos expressivos nas contas de luz. Em 2021, o Ministério de Minas e Energia começou uma campanha para incentivar a economia de recursos como água e energia elétrica. No começo de setembro, os reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste, que geram 70% da energia do país, operavam com 19,59% da capacidade esta semana, de acordo com que informou o Operador Nacional do Sistema Elétrico à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), apresentando os números da pior crise hídrica em 91 anos de monitoramento das bacias hidrográficas do Brasil.

Segundo o superintendente de operação do Complexo Belo Monte, Sandro Deivis dos Santos, hoje, o empreendimento ajuda a equilibrar a produção de energia para o país, sobretudo, quando as demais hidrelétricas têm problemas para gerar, como ocorre agora. “Hoje, Belo Monte, com a capacidade de 11.233 MW de potência instalada, corresponde a 12% da demanda brasileira, e esse valor também é 7% da geração hidrelétrica do Brasil. Belo Monte agregou maior segurança no suprimento, principalmente na época em que a gente tem alta vazão e grande capacidade de produção. Belo Monte gera para os outros [reservatórios do Brasil] preservarem a água e usarem no período seco”, explica o responsável.

Sandro Deivis dos Santos é superintendente de operação do Complexo Belo Monte (Igor Mota / O Liberal)

Ainda de acordo com Deivis, desde 4 de agosto, apenas uma das 18 turbinas da usina principal de Belo Monte está operando por dia, em função das condições hídricas do próprio Rio Xingu. “Estamos em uma época de seca na região Norte, e era esperado esse cenário. A potência média é de 255 MW, e esse cenário deve perdurar até o início do nosso período úmido, que é em meados de novembro. Essa capacidade atende a condição do Rio Xingu, estamos simplesmente soltando a água que está chegando no rio. Chega pouca água, e para que eu preserve o nível do reservatório, eu tenho de soltar pouca água”, explica.

Segundo a Norte Energia, esse fluxo de geração de energia se deve a décadas de estudo, que fizeram com que Belo Monte fosse redesenhada para reduzir o tamanho do seu reservatório e garantir que nenhuma terra indígena fosse inundada. A usina passou a ser um modelo a fio d’água, operando praticamente com o fluxo de água do rio Xingu, contando com dois reservatórios, pensados para tentar minimizar os impactos. A UHE Belo Monte tem 18 turbinas, com potência de 611,11 MW em cada uma. Já a casa de força complementar (UHE Pimental) tem 6 turbinas, com 38,85 MW de capacidade em cada unidade, somando os 11.233 MW. Nos mais 1.800 km de extensão do Xingu, Belo Monte atua em 200 km.

Trabalhadores em atividade na construção da usina (Betto Silva / Acervo Norte Energia)

“Uma usina de fio d’água é uma usina que não tem capacidade de armazenamento de grandes volumes. A água que chega, sai. Você tem um reservatório principal, com 359 km², e um canal de 20 Km que desvia a água do reservatório principal para o intermediário, que tem 119 km². Aqui, ela é devolvida ao rio. Isso foi construído até o rio Xingu, para devolver a água que a gente está captando lá atrás, em Pimental, para o rio”, diz Sandro Deivis.

Segundo o superintendente, esse modelo adotado em Belo Monte é pensado para contribuir para o sistema nacional no período úmido, quando há muita vazão e é possível aproveitar a geração para que os outros reservatórios poupem água de forma a soltar no período seco. “Até o final do ano, quando começar a chegar água no Rio Xingu, Belo Monte vai ser usada pelo operador nacional na plenitude que a água nos condicionar, para que a gente possa gerar energia para o Brasil”, projeta Sandro Deivis.

Melhoria social com qualidade de vida x impactos negativos

Quando foi decidido que Belo Monte seria construída na região do Xingu, algumas medidas compensatórias foram tomadas, para tentar equilibrar os impactos que qualquer obra desse tamanho causa aos moradores da região e ao meio ambiente. Quando se chega a Altamira, é possível ver grandes mudanças na urbanização da cidade. A orla do município, que antes era tomada por palafitas, hoje conta com uma praia perene, que é um ponto de lazer bastante procurado aos fins de semana.

Orla de Altamira (Igor Mota / O Liberal)

As pessoas que moravam nessas regiões foram realocadas para bairros planejados, chamado de RUCs (Reassentamentos Urbanos Coletivos). Ao todo, foram criados seis desses espaços, com 3.850 casas construídas. São eles: Jatobá, São Joaquim, Casa Nova, Laranjeiras e Água Azul. O sexto bairro, chamado Tavaquara, deve ser entregue em breve e será destinado a famílias de indígenas citadinos, pescadores e ribeirinhos, pessoas que já moravam nos outros reassentamentos, mas agora vão habitar um local com acesso mais facilitado ao Rio Xingu para, assim, tentar seguir com seus costumes.

Um dos RUCs (Igor Mota / O Liberal)

Jorgemir Santos, homem de 43 anos e atual presidente da Associação das Famílias Moradoras do Bairro Jatobá (Afaja), conta que mora há cinco anos no RUC. “Eu fui um dos últimos removidos, morava na antiga Rua do Ferro Velho, às margens do igarapé Altamira. Morei por 20 anos ali. De lá para cá, algumas coisas melhoraram. Aqui a estrutura é de bairro planejado, que oferece esporte, educação, com escolas próximas. É estruturado, e lá não era. Era como uma invasão”, diz o morador, que também tem críticas. “O que hoje nós temos dificuldade é em questão à distância do centro. Lá, a gente morava no centro, e tem esse lado ruim”, conta “Mica” ao pesar os pontos positivos e negativos.

Para o professor Marcel Padinha, da Universidade Federal do Pará (UFPA), esta crise de pertencimento causada pela realocação de famílias é apenas um dos problemas que ele elencou em sua tese de doutorado, trabalho que foi premiado como a melhor tese na área de Geografia Humana nos anos de 2017 e 2018 pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia.

“Quando você implanta uma hidrelétrica na Amazônia, você não quer, necessariamente, atender a demandas locais. No caso de Belo Monte, a reestruturação do território foi quase que completa”, destaca o professor. Segundo seu estudo, cerca de 40 mil pessoas foram deslocadas por conta de Belo Monte, considerando campo e cidade.

Inauguração da usina de Belo Monte (Jaime Souzza / Acervo Norte Energia)

“Elas moravam no centro de Altamira, e hoje, a maioria dos RUCs fica distante. Então, eu ouvi muito isso nas minhas entrevistas: a casa é melhor, mas se eu pudesse, escolhia minha vida de antes. Eram pessoas da periferia, mas que trabalhavam no centro da cidade, ou pescadores que tiveram suas vidas transformadas”, diz o professor, que chegou à conclusão que o realocamento causou prejuízos de ordem social, financeira e até mesmo emocional nas pessoas.

O professor faz questão de lembrar que, em 2017, Altamira foi apontada como o município mais violento do Brasil, segundo o Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), feito em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram registradas 107 mortes violentas por 100 mil habitantes. O próprio estudo atribui esse número ao crescimento da população no período das obras do empreendimento. “Se você me pedir para classificar Belo Monte em poucas palavras, eu escolheria duas: complexa e violenta”, afirma o professor Marcel Padinha.

Por outro lado, a Norte Energia destaca os avanços proporcionados por Belo Monte à região, e ressalta os investimentos que fez para melhorar a vida dos que ali habitavam. Bruno Bahiana, gerente de Monitoramento Socioambiental, cita projetos positivos como a construção de escolas, unidades básicas de saúde e investimentos no saneamento básico na região. Ao todo, foram R$ 6,3 bilhões de investimentos nesses tipos de ações, sendo cerca de R$ 796 milhões em projetos voltados para 4,493 indígenas.

Bruno Bahiana é gerente de Monitoramento Socioambiental (Igor Mota / O Liberal)

“O maior legado, sem dúvida nenhuma, foi a transformação social, com qualidade de vida e possibilidade de um futuro melhor. Belo Monte jogou luz sobre uma região que não tinha muitos motores para que houvesse uma dinâmica econômica, social e de melhoria ambiental, e apesar dos impactos negativos, alavancou muitos impactos positivos”, diz o gerente da Norte Energia.

Como destaques para o futuro, Bahiana cita que, atualmente, a concessionária investe no projeto “Energia Verde no Xingu”, que levará energia solar para aldeias indígenas da Volta Grande do Rio Xingu. A iniciativa substituirá geradores de energia elétrica à diesel por placas solares instaladas em flutuantes, que serão implantadas no Rio Xingu. Além disso, mais de 2,4 mil indígenas que vivem em 31 aldeias do Médio Xingu passarão a contar com atendimento especializado de telemedicina. Bruno Bahiana foca que o objetivo sempre é alcançar o bem-estar das pessoas impactadas pelas obras, tanto os das comunidades rurais e indígenas quanto os habitantes da cidade, compensando as perdas sofridas pelos reassentamentos.

“Nessas estruturas, a gente tem o serviço de fortalecimento de vínculos de convivência. Queremos trazer mais cidadania para essas pessoas e um convívio harmônico entre elas. Havia pessoas que moravam na palafitas que não tinham nem CPF, não existiam para o Estado Brasileiro. Então, a gente visita semestralmente essas famílias, identifica as que estão vulneráveis e direciona para a prefeitura fazer o atendimento socioassistencial. A Norte Energia não é poder público, e nem quer esse papel, mas quer ajudar na acomodação dessas famílias”, conta Bahiana, que encerra: “Nem sempre o diálogo é positivo, nem sempre eles concordam com a gente e a gente concorda com eles, mas o importante é existir o diálogo, pois, só através dele, podemos dar cabo a essas questões”, explica o gerente.

Fonte: O Liberal

Comments 1

  1. JACKSON LUIZ NOGUEIRA DINIZ says:

    Queremos saber porque não fazer um trabalho de um perito no rio xingu pra ver realmente os impacto nas pescas ornamental e de consumo humano?

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