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CNJ determina representação contra desembargador que disse que ‘gravidez não é doença’ após advogada faltar audiência para dar à luz no Pará

Ele negou pedido de adiamento de audiência para advogada e interrompeu fala de colegas magistradas. TRT da 8ª Região tem 5 dias para cumprir determinação do Conselho Nacional de Justiça.

Desembargador Georgenor de Sousa Franco Filho — Foto: Reprodução/TV Liberal
Desembargador Georgenor de Sousa Franco Filho — Foto: Reprodução/TV Liberal
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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a instauração de Reclamação Disciplinar (RD) contra o desembargador Georgenor de Sousa Franco Filho, do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. Em audiência na última terça-feira (10), em Belém, ele disse que “gravidez não é doença”, após uma advogada precisar se ausentar da audiência para dar à luz.

O documento, direcionado à Corregedoria-Geral do TRT da 8ª Região, dá prazo de cinco dias para intimar o desembargador e, 15 dias, para que ele apresente defesa diante de possível abertura de Processo Administrativo Disciplinar.

Quem assina o documento é o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça. Na decisão consta que o desembargador e presidente da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8º Região (Pará e Amapá):

“pode, em princípio, ter violado deveres inerentes à magistratura, dentre os quais o dever de urbanidade para com os colegas e partes, além de possível inobservância de direitos processuais próprios das advogadas em período de parto”.

A possibilidade de violação dos deveres refere-se ao modo de tratamento de Georgenor e por ter interrompido duas colegas magistradas, além da violação do direito da advogada.

  • Des. Georgenor de Souza: “Excelência, eu queria ser bastante prático. Há um pedido. Vossa Excelência defere ou nega?”
  • Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Eu vou deferir o pedido”.
  • Des. Georgenor de Souza: “Para adiar o julgamento?”
  • Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Excelência, ela [a advogada] pediu sustentação oral…”
  • Des. Georgenor de Souza: “Não, como dizia Magalhães Barata, que foi governador do Pará, gravidez não é doença que adquire-se por gosto” (sic).
  • Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Sim, Excelência. Não é doença, mas é um direito que a…”.
  • Des. Georgenor de Souza: “Mas ela não é parte no processo, é apenas advogada no processo”.
  • Des. Sulamir de Almeida (relatora): “Ela tinha pedido sustentação oral, Excelência”.
  • Des. Georgenor de Souza: “Mandava outro substituto, isso é a coisa mais simples que tem. São mais de dez mil advogados em Belém, e acho que todos têm a mesma qualificação que a Dra. Suzane Teixeira”.

O presidente do colegiado prosseguiu, informou quem eram os desembargadores que comporiam o quórum de julgamento e dirigiu-se a outra desembargadora que iniciava algum esclarecimento sobre o caso:

“Desembargadora Alda também, calada está, calada permanecerá. Não podemos falar, não fazemos parte do quórum. Calemo-nos!”, disse o desembargador.

Desde março de 2023, é adotada a Perspectiva de Gênero nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário. Anteriormente era apenas recomendação, após a aprovação da resolução (n º 492), passou a ser obrigatória.

Ainda na decisão do CNJ, o corregedor geral diz que “é preciso, durante todo o processo judicial, questionar se as assimetrias de gênero estão, de qualquer forma, presentes no conflito apresentado, com especial atenção ao ‘tratamento das partes envolvidas, como advogadas, promotoras, testemunhas e outros atores relevantes’ e que ‘o magistrado comprometido com o julgamento com perspectiva de gênero deve estar sempre atento às ‘desigualdades estruturais que afetam a participação dos sujeitos em um processo judicial’”.

Posicionamento

O TRT da 8º Região lamentou o ocorrido e manifestou respeito pela advocacia e por suas prerrogativas, em especial das mulheres.

O tribunal alegou que tem como valores a promoção da equidade de gênero e a valorização da diversidade, com o planejamento e execução de diversas ações que buscam a construção dessa realidade, alinhado com as políticas judiciárias estabelecidas pelos Conselho Nacional de Justiça e Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

“Revendo novamente a filmagem, verifiquei que minha manifestação foi profundamente indelicada e infeliz, e gostaria de oferecer minhas mais sinceras desculpas não somente à Dra. Suzane Odane Teixeira Guimarães, mas a todas as Sras”, disse Georgenor Filho em pedido de desculpas publicado nas redes sociais do TRT.

Segundo ele, em mais de 40 anos de magistratura e com a dedicação de outros mais de 40 anos também ao magistério superior, impossível não cometer erros, “mas imprescindível reconhecê-los para podermos seguir a eterna estrada do aprendizado”.

O desembargador lamentou o ocorrido profundamente e reiterou respeito às mulheres profissionais que não medem esforços a cumprir com jornadas múltiplas.

“Quem me conhece minimamente sabe que sou fervoroso e permanente defensor da mulher e seus direitos. Reitero-me firmemente minhas desculpas a Dra. Suzane Odane Teixeira Guimarães”, completou.

Bebê de advogada nasceu antes do previsto

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil – Pará informou que o bebê de Suzane nasceu na última sexta-feira (6) e estava hospitalizado, e a mãe em puerpério.

“Seu parto estava previsto para ocorrer no mesmo dia da referida sessão de julgamento, tendo inclusive ocorrido de forma antecipada”, pontuou a instituição.

A OAB expressou solidariedade à Suzane e disse que a situação violou prerrogativas da mulher advogada.

“O lamentável episódio evidencia a banalização da discriminação de gênero, inclusive no âmbito do sistema de Justiça. As falas do desembargador são preocupantes, ao desprezar o contexto de puerpério na atuação de uma colega mulher, desconsiderando que mulheres são maioria na advocacia no estado e no país”, reiterou a Ordem.

Fonte: G1 Pará.

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