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Quase 90% dos poços artesianos do Brasil são clandestinos, aponta estudo

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A grande maioria dos mais de 2,5 milhões de poços artesianos do Brasil é clandestina e, por conta disso, está sujeita a contaminações e problemas sanitários e ambientais. É o que aponta um estudo do Instituto Trata Brasil em parceria com o Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas da Universidade de São Paulo (USP), divulgado nesta quinta-feira (14).

O estudo destaca a importância da extração das águas subterrâneas no país e as consequências da falta de regularização e de acompanhamento desses poços, que são os grandes responsáveis pela captação subterrânea. Para ter uma ideia, o total de água extraída dos poços chega a 17.580 Mm³/ano, valor suficiente para abastecer toda a população brasileira durante um ano.

Além disso, caso toda a água subterrânea extraída fosse oferecida ao preço médio praticado pelos operadores de água, que era de R$ 3,36/m³ segundo o último levantamento nacional, de 2016, a receita total chegaria a R$ 59 bilhões por ano para os cofres públicos.

Mesmo estando abaixo da sua capacidade, o estudo destaca que o Brasil já está entre os países que mais captam água subterrânea do mundo. Segundo dados de 2010, a Índia estava em primeiro lugar, seguido por China e Estados Unidos. O Brasil aparece na nona posição.

Consequências da clandestinidade

Para conseguir superar essa capacidade, um dos principais obstáculos está no perfil dos poços existentes no país. Do total estimado, o estudo destaca que apenas 12% são conhecidos e registrados pelos órgãos públicos. Os outros 88% são clandestinos e estão em propriedades rurais, indústrias, casas e prédios espalhados por todo o Brasil. Os seus usos são diversos e atendem tanto ambientes domésticos, quanto agropecuários e urbanos.

O estudo ainda aponta que 52% dos municípios brasileiros são abastecidos total (36%) ou parcialmente (16%) por águas subterrâneas. A água subterrânea é, inclusive, a única opção de 48% das cidades com população menor que 10 mil habitantes.

Além disso, como muitos poços são clandestinos, os números oficiais podem não representar a realidade das cidades. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, os números indicam que 99% do abastecimento público é realizado com água superficial. Em 2015, porém, estimou-se a existência de cerca de 13 mil poços privados extraindo mais de 11 m³/s. Isso significa que, do total de água utilizada na cidade, 18% são subterrâneas, e não apenas 1%. Ou seja, a clandestinidade é um elemento primordial na análise dos recursos hídricos subterrâneos.

Muitos moradores e donos de empresas e fazendas constroem os poços e não pedem licenças e registros por não verem vantagem nessa regularização. As consequências disso, segundo Hirata, são diversas. Uma das principais é a superexploração dos aquíferos, que acontece por conta do acúmulo exagerado de poços em um mesmo local.

Contaminação das águas subterrâneas

Além do esgotamento dos aquíferos, outro risco diretamente relacionado com a clandestinidade é a utilização de águas contaminadas. Quando o poço é regularizado, seu dono deve seguir normas de vigilância sanitária que incluem, por exemplo, a realização de análises clínicas regulares. No caso dos poços ilegais, muitas pessoas não fazem esses exames por conta do valor, que pode chegar a até R$ 3 mil. Assim, a água fica sujeita a contaminações de poluentes diversos.

Segundo o professor, em cidades como São Paulo, é comum que haja fontes de contaminações próximas de prédios que não são conhecidas pelas pessoas. Como grande parte dos poços urbanos atuais estão em condomínios, a água captada para uso geral pode estar contaminada, e os moradores não sabem disso.

Impacto da falta de saneamento básico

Um dos fatores que impactam diretamente nessa contaminação e na qualidade das águas subterrâneas é o saneamento básico — ou a falta dele.

Segundo os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, de 2016, cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada, e mais de 100 milhões não têm coleta dos esgotos. Além disso, somente 44,9% dos esgotos são tratados.

Estima-se que, por ano, o subsolo do país receba 4.329 Mm3/ano de esgotos, volume equivalente ao lançamento na natureza de 1,8 milhão de piscinas olímpicas por ano de esgoto, ou quase 5 mil piscinas por dia.

Isso porque, quando uma cidade ou parte dela não tem rede de esgoto, uma parte é jogada nos rios, mas a grande maioria acaba indo para fossas sépticas e fossas negras, atingindo a água subterrânea.

Diversificação e crise hídrica

Mesmo com todos os problemas causados pela clandestinidade, o estudo e seus coordenadores não deixam de destacar o potencial de captação hídrica das águas subterrâneas de forma regularizada. Há uma oportunidade de utilização das estruturas já existentes, mesmo que hoje elas estejam irregulares.

A publicação estima que os custos envolvidos na perfuração e na instalação destes 2,5 milhões de poços existentes no país chegaram a mais de R$ 75 bilhões, valor equivalente a 6,5 anos de investimentos do Brasil em água e esgoto. “O Brasil já tem um parque de R$ 75 bilhões instalado, só falta regularizar. E a capacidade é grande”, destaca Hirata.

Além disso, o estudo também destaca que as águas subterrâneas podem representar um importante aliado do Brasil em períodos de seca. Entre 2013 e 2017, por exemplo, a crise hídrica atingiu 2.706 cidades, ou quase 49% dos municípios brasileiros, de acordo com dados do IBGE. Das cidades atingidas, apenas 31% – menos de 1/3 – utilizavam águas subterrâneas.

Em muitos núcleos urbanos, houve uma corrida à perfuração de novos poços tubulares para atenuar a falta de água das concessionárias. Em 2014, por exemplo, ano em que São Paulo passou por uma forte crise hídrica, o Departamento de Água e Esgoto (DAEE) concedeu 17% a mais de licenças para a perfuração de poços artesianos que no ano anterior.

Caso as cidades e o campo tivessem uma oferta de água mais diversificada, com as águas subterrâneas incorporadas e integradas ao sistema de distribuição, os efeitos da crise poderiam ter sido menores.

Políticas públicas e falta de comunicação

Diante dos riscos e da oportunidade de maior utilização de águas subterrâneas no país, o estudo aponta algumas recomendações para contornar a clandestinidade e regularizar o setor. Entre elas, estão os seguintes pontos:

  • Ampliar a comunicação à sociedade e aos governos sobre o real papel social, ambiental e econômico das águas subterrâneas;
  • Fortalecer os órgãos de controle e gestão dos recursos hídricos, bem como ampliar a fiscalização sobre os poços irregulares;
  • Ampliar a cobertura de coleta e tratamento de esgotos;
  • Criar programas permanentes de proteção das águas subterrâneas;
  • Criar programas de identificação de áreas críticas, ou seja, onde os aquíferos apresentam maior perigo de contaminação e de superexploração.

Tanto Hirata quanto Carlos destacam a primeira medida, a de investir na comunicação.

O professor da USP também destaca que o problema da clandestinidade não é por falta de lei, mas, sim, da aplicação dessa legislação.

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